O PIOR POPULISMO

Folha de S.Paulo
7 de junho de 1988

A meu ver, a decisão relativa aos cinco anos de mandato para o atual presidente da República tem efeitos negativos sobre a economia, o processo democrático e a qualidade do novo texto constitucional.

Com efeito, ficou postergado o enfrentamento decidido da crise econômica, ao conferir-se mais 14,5 meses de mandato a um governo sem legitimidade, autoridade, eficácia e visão nacional para cumprir aquela tarefa. Prefiro estar enganado, pois não compartilho da teoria do “quanto pior melhor” mas acredito que, no caso, a probabilidade de erro é pequena.

Além disso, a forma como os cinco anos foram conquistados – em grande medida graças a barganhas com obras e favores governamentais – haverá de pesar durante muito tempo no prato da balança que conduz (e mantém) ao atraso, desmoraliza a vida política e obstrui a consolidação da democracia em nosso país.

Por último, o preço que a Constituinte paga pela obsessão sobre a duração do mandato é altíssimo. A coalizão dos cinco anos possui uma taxa de fisiologia, adesão a interesses corporativistas e descaso pelas finanças públicas, bem acima da média. Isto é irônico, pois alguns membros do Centrão são severos críticos de prodigalidade populista da Constituinte e o governo tem acusado a nova Constituição de ser economicamente irresponsável.

A respeito, é eloquente analisar o projeto do Centrão para as “Disposições Transitórias”. Não se corrigiu uma só deficiência do já sofrível texto da Sistematização e, o que é pior, foram acrescentadas outras. Exemplos? O texto do Centrão faz o seguinte:

1) Suprime o único artigo na nova constituição que disciplina a descentralização de funções e encargos da União para Estados e municípios e dos Estados para os municípios. E o governo reclama que a Constituinte está descentralizando receitas sem redistribuir responsabilidades.

2) Garante a possibilidade de acumulação de cargos para todos os atuais servidores públicos, permite que os chamados “marajás” invoquem direitos adquiridos se forem revisadas suas remunerações e elimina um dispositivo que ensejava o remanejamento (em 18 meses) de cargos e lotações dos servidores federais, estaduais e municipais.

3) Estabelece equiparações salariais (proibidíssimas no corpo permanente) entre defensores públicos, delegados de política e procuradores de justiça. Como estes perseguem a equiparação com os juízes, os policiais militares não aceitam remunerações abaixo da polícia civil, os procuradores do Estado almejam igualar-se aos da justiça, os professores universitários com a magistratura, e os engenheiros , médicos, arquitetos com os demais, e como nenhuma categoria gosta de ver outra a ela equiparar-se, abre-se o caminho para a loucura e a anarquia, constitucionalizados, nas já desorganizadas remunerações dos servidores públicos.

4) Suprime a proibição de que o governo federal assuma as dívidas e os inativos dos Estados que se dividem, transformando tal divisão no melhor negócio possível. Se São Paulo vier a dividir-se (por exemplo, criando o Estado do Vale do Ribeira) ver-se-á livre de uns US$ 16 bilhões de débitos e de 200 mil aposentados.

O denominador comum desses exemplos é o aumento do déficit público futuro, falta de austeridade nas finanças públicas, bloqueio ao seu saneamento e a crença irresponsável de que em economia, dois mais dois de despesas é igual a três de receita. Enfim, a irresponsabilidade populista, que não respeita a aritmética, as prioridades e o interesse público.

José Serra