Folha de S. Paulo, 3 de maio de 2007

Quando eu tinha 15 anos de idade, o Brasil era um país de tragédias menores e utopias maiores. Naquele país que inventava a bossa nova, ganhava a Copa do Mundo pela primeira vez e produzia seus primeiros automóveis, eu morava num bairro operário de São Paulo. Não conhecia  ninguém que fosse capaz de imaginar um futuro com tanta violência e tão pouca esperança, onde crianças e adolescentes trabalham para o tráfico e o crime organizado desafia o Estado num ambiente que atemoriza e envergonha os cidadãos.

Em minha juventude, sonhava-se com um Brasil novo. Hoje, muitas pessoas ficariam felizes se fosse possível retornar à vibração do Brasil antigo. Esse desencanto tem várias raízes e uma delas se encontra na violência e na insegurança das grandes cidades, atualmente a preocupação número 1 dos brasileiros. É impossível viver nas grandes cidades do Brasil sem sentir medo – e isso afasta nossa sensação de liberdade.

Entre os brasileiros de 15 anos, há jovens que seqüestram, matam e torturam. Embora tenham discernimento para saber o que é certo e o que é errado, seus crimes revelam crueldade e fazem girar a engrenagem mais perversa da criminalidade adulta, pois se alimentam da perspectiva de detenção rápida e impunidade quase eterna.

Como a maioria das pessoas, tenho dificuldade para entender, racionalmente, a origem do horror em estado puro. É claro que a má distribuição da renda, a falta de boas escolas e, acima de tudo, o elevadíssimo desemprego têm seu papel na interpretação do que acontece.  Mas não explicam tudo. A menos que se queira proibir o divórcio e tolher liberdades individuais, também é demagogia dizer que a culpa de todos os males se encontra numa suposta crise de valores familiares.

Os adolescentes infratores especialmente violentos são beneficiados por uma legislação que não apresenta uma solução adequada para casos extremos. Em relação a esses, o debate envolve a redução da maioridade penal. Trata-se de mudança complexa, pois divide o país e exige uma reforma da Constituição, de difícil execução.

Mas, sim, é possível fazer uma mudança importante na legislação, que envolve o artigo 121 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Esse estatuto não prevê medidas de caráter punitivo, mas apenas sócio-educativas. Ali se diz que nenhum jovem pode ficar sob regime de detenção por mais de três anos – e nenhum será privado da liberdade depois de completar 21 anos. Trata-se de um regime de impunidade automática.

Defendo que o período de internação deva ser ampliado para até dez anos, a serem cumpridos em local especial, assegurando-se o acompanhamento permanente de um juiz, com novas medidas sócio-educativas, favoráveis à recuperação e ao respeito integral às regras do direito.

Esta legislação foi sacramentada naquele período otimista que alimentou a democratização do país. Acredito na evolução da consciência pacífica na nossa sociedade, mas enxergo os fatos. Como integrante de uma geração de brasileiros que sentiu na pele a privação da liberdade, estou convicto que é preciso defendê-la, sempre. No passado, a grande ameaça à liberdade era produto dos abusos do Estado. Hoje, vem do crime e da violência, da presença inadequada do Estado.

Não posso aceitar a idéia de que estamos condenados a uma vida de receios, temores e tragédias. Temos o direito à liberdade fundamental de não sentir medo – condição para voltar a pensar num país de horizontes mais largos. E isso implica em definir crime como crime, lei como lei, bandido como bandido.