Folha de S. Paulo, 23 de fevereiro de 2005
Muitas pessoas não gostam de Carnaval. Fogem do barulho, condenam os excessos, preferem aproveitar os dias de folga para repousar. Há também quem critique os novos ritmos ou as novas modalidades da festa com uma certa nostalgia, como se o antigo entrudo pudesse ter-se transformado no moderno Carnaval sem passar pelas mudanças características de cada época. Não falta, ainda, quem estranhe a diversidade regional, como se a mesmice fosse uma virtude e a inventividade popular devesse ser comprimida num espartilho.
Mas a maioria dos brasileiros, alheia a essas reflexões ou mesmo censuras, aguarda o Carnaval com ansiedade e cai na folia com gosto nas ruas ou nos salões, nos desfiles organizados ou nos blocos improvisados, ao som de sambas, marchas, frevos, maracatus, enfim, dos mais variados ritmos. O Carnaval, com todas as suas mudanças, continua sendo a grande festa nacional e popular do Brasil.
Uma festa que demonstra a capacidade do povo brasileiro, em meio a tantas vicissitudes, de não perder a alegria nem a esperança. E que até aproveita os enredos, as canções e as fantasias para fustigar, com verve e malandragem, os males que o apoquentam.
O Carnaval mostra também a capacidade de organização e o talento criativo do povo. Os desfiles do Rio de Janeiro e de São Paulo são espetáculos coreográfico-musicais sem paralelo no mundo. Aquela capacidade se revela também na alegria espontânea que toma conta das ruas de Recife e de Olinda, por exemplo, ou no orgulho com que os grupos afro-brasileiros desfilam em Salvador, ou mesmo nas brincadeiras mais despojadas das pequenas cidades do interior. Não há carência de recursos que não seja contornada com inventividade e união. E, na aparente fuzarca, uma organização insuspeitada canaliza as energias.
Mas a folia carnavalesca traz à tona outras potencialidades que ainda não receberam a atenção devida. A preparação e a realização da festa dinamizam o mercado de empregos, abrindo oportunidades para trabalhos intelectuais, artesanais e gerenciais que seriam desperdiçadas sem os afazeres que se escondem por trás do festejo. Os efeitos dinamizadores se estendem às empresas de transporte, aos hotéis, aos bares, aos fornecedores de alimentos e bebidas e às manufaturas de plástico e luminárias, para indicar alguns exemplos. O maior impacto ocorre nas vizinhanças do Carnaval, mas uma parte dos efeitos se prolonga pelo ano inteiro. Muitos países bem que gostariam de abrigar uma festa com tanto potencial dinamizador e turístico como o carnaval brasileiro num século que terá, como uma das grandes fronteiras de expansão econômica, a indústria cultural e de lazer.
Além disso, as entidades populares formadas em torno do Carnaval, como as escolas de samba e os grandes blocos, podem também desempenhar um papel importante como pólos culturais e aglutinadores em suas comunidades. Isso já vem ocorrendo com o desenvolvimento de projetos educativos e esportivos por escolas de samba, como a Estação Primeira de Mangueira, no Rio de Janeiro, e a Rosas de Ouro, em São Paulo, e por blocos, como o Olodum, em Salvador. Mas essas experiências poderiam ser multiplicadas.
Quando se fala tanto em acelerar o crescimento da economia, em gerar empregos e em redistribuir renda e cultura, vale a pena lembrar que o carnaval brasileiro pode oferecer muito mais do que três dias de arrebatamento e descontração, aliás, merecidos.