Folha de S. Paulo, 27 de junho de 2016

O mundo assistiu entre apreensivo e surpreso à decisão soberana do povo britânico, consultado em plebiscito, pela saída da União Europeia. O Brasil respeita, mas nada vê a comemorar na notícia. O projeto da União Europeia é o mais ousado e avançado processo de integração econômica e política existente. Construído sobre as cinzas da segunda guerra mundial, a integração econômica que levou à formação da União Europeia trouxe paz e prosperidade à Europa Ocidental por sessenta anos e tornou menos traumática a transição dos países da antiga Europa Oriental para o mundo que sucedeu à Guerra Fria.

A saída do Reino Unido abala o relativo consenso pró-integração que tem predominado na Europa há décadas e alenta as forças desagregadoras no continente. No campo econômico, amplia a incerteza e deve ter um efeito negativo sobre o crescimento tanto no Reino Unido quanto na União Europeia e, por conseqüência, na economia mundial, em momento no qual os países europeus, ainda fragilizados pela crise financeira iniciada em 2008, buscavam retomar o crescimento.

O tesouro britânico estima que pode haver queda no PIB de longo prazo de cerca de 6% no Reino Unido. Na mesma direção, segundo o FMI, o PIB do Reino Unido poderia crescer a menos, até 2019, entre 1,4%, se mantiver o acesso pleno ao mercado europeu, e 5,6%, se tiver que pagar as tarifas de importação sem descontos. Afinal, o comércio exterior corresponde a 59% do PIB britânico, e 45% de suas exportações vão para a Europa. Parte do setor financeiro, tão crucial à economia de Londres e do Reino Unido como um todo, poderia migrar para outras praças europeias e, com menos investimentos entrando no país, as taxas de juros poderão elevar-se, com acentuada pressão de desvalorização da libra, dado o elevado déficit em conta corrente de 5% do PIB.

Embora sucessivos estudos tenham demonstrado que a imigração é benéfica para a economia do Reino Unido, o temor aos estrangeiros foi uma das principais motivações dos que votaram pela saída. O curioso é que, segundo estudos da OCDE, os britânicos pensam que o percentual de estrangeiros na população é muitas vezes superior aos dados reais. Ou seja, uma das principais razões que teriam motivado a saída da UE simplesmente não tem fundamento na realidade.

O fato de que percepções a meu ver equivocadas tenham influenciado o voto majoritário no plebiscito não diminui sua importância. É preciso perguntar de onde nascem e como combatê-las. Na década de 1940, Karl Mannheim, um dos pais do Estado de bem estar social instalado no Reino Unido no pós-guerra, argumentava que uma das razões que haviam levado à derrocada da democracia liberal e aos totalitarismos pré-guerra foi o enfraquecimento dos vínculos de solidariedade social. Hoje, é preciso fazer acompanhar o avanço da integração econômica global de mecanismos de inclusão social e redução das desigualdades, assim como recusar inequivocamente as soluções isolacionistas. Temos a confiança de que a União Europeia e o Reino Unido saberão trilhar esse caminho enquanto ajustam com serenidade seu relacionamento. Afinal, as dificuldades que a Europa enfrenta com migrantes e refugiados não se resolverão com a redução de sua presença no mundo. Requerem, na verdade, uma atuação cada vez mais solidária com as nações e os povos de origem dos fluxos humanos de nossa era.

O efeito econômico na União Europeia tende a ser comparativamente menor, mas o impacto político é preocupante. Visões excessivamente nacionalistas e xenófobas poderiam ganhar força, levando a um maior fechamento europeu ao resto do mundo. Não me parece provável que aconteça, mas o mundo sairá perdendo se a Europa apostar mais no isolamento do que na cooperação.

O Brasil não deve ser muito afetado diretamente. É pequena a participação (1,52%) do Reino Unido como mercado para as exportações brasileiras. Mantém-se também a expectativa de que os investimentos britânicos continuem a buscar as oportunidades por aqui. A sólida situação externa da economia brasileira, com reservas elevadas e superávit comercial, reduz os riscos para o Brasil. Sofremos um pouco mais com a instabilidade de curto prazo dos mercados financeiro e cambial e com o impacto negativo de médio prazo para o crescimento no Reino Unido e na União Europeia. Mas, de nossa parte, redobraremos os esforços para concluir o acordo de associação MERCOSUL-UE e nos empenharemos em buscar acordos de comercio e investimentos com o Reino Unido.