CORÉIA E TAIWAN: EXEMPLOS?

Folha de S.Paulo
3 de maio de 1988

Há alguns anos, o exemplo era o Japão. Sem torná-lo “demodé”, surgiram agora novos modelos: Tawain e Coréia do Sul, como exemplos para nortear o desenvolvimento brasileiro. Em que consistiriam as lições? Basicamente, uma forte adesão à liberdade do mercado e a uma integração bem liberal à economia internacional. Será?

Evidentemente, Tawain e Coréia têm funcionado muito bem economicamente e não há por que menosprezar um estudo mais detido de suas experiências, a fim de extrair lições. Mas, curiosamente, as experiências desses países distam muito das que são popularmente transmitidas no Brasil. Vejamos suas principais características, que tanto as diferenciam da brasileira:

1. No após guerra e antes da aceleração da industrialização foram feitas reformas agrárias extensas e profundas , consolidando um sistema de pequena e média propriedade. Na Coréia do Sul, em 1960, 100% das propriedades rurais tinham menos de cinco hectares, proporção que no Brasil era de 13%. Isto, no mínimo, produziu uma estrutura menos desigual na repartição da renda.

2. Também antes do salto industrial houve uma forte ajuda externa norte-americana a ambos os países, que lhes ajudou a realizar importações e a conter a hiperinflação do após guerra. Tal ajuda, na Coréia, equivaleu a 80% do investimento bruto entre 1953-1962.

3. A intervenção estatal no processo econômico sempre foi elevada e abrangente, traduzindo-se em ação direta ou coordenadora sobre a indústria e o sistema financeiro. Este sempre foi utilizado como instrumento direto da política econômica, servindo e orientando o investimento privado. Em Taiwan, os bancos ainda são estatais e na Coréia o foram desde os anos 60 até 1980-83.

4. As taxas de poupança, como no Japão, são elevadíssimas, pressupondo um elevado crescimento “garantido”, e tendo como contrapartida um baixo “consumismo”. Por exemplo, apesar de grande exportador de automóveis, a Coréia do Sul tinha, em 1980, um índice de disponibilidade desse produto (automóveis por mil habitantes) de 6, enquanto o Brasil e o México atingiam 68 e 56 respectivamente.

5. O setor privado (Coréia do Sul) é bem mais concentrado do que no Brasil, muito mais articulado com o Estado, e a participação do capital estrangeiro é bem menor (11% da produção manufatureira interna, em fins dos 70, contra 44% no Brasil).

6. As políticas industriais são voltadas ao longo prazo, seletivas, flexíveis, com elevados investimentos em tecnologia, alternam esquemas de protecionismo e abertura para diferentes setores. Na América Latina, há um protecionismo por vezes “frívolo” (como chamou F.Fajnzilber), encarado um fim e não como meio para implantar uma indústria eficiente e competitiva. Ou, então, um “aberturismo” suicida, estilo Martinez de Hoz (Argentina), ou como propõem alguns liberais mais exaltados no Brasil.

7. Quanto à tecnologia, basta um dado: a Coréia, com um terço do PIB brasileiro, gasta mais do que nós nessa área. Na educação, prevalece nesses países uma política eficiente, democrática e desenvolvimentista – no Brasil, ao contrário, a política educacional é dispendiosa, elitista, dilacerada pelo corporativismo e alheia a uma política nacional de desenvolvimento.

8. São países pequenos, pobres em recursos naturais, com mercados limitados e estruturalmente mais dependentes dos mercados externos e motivados à expansão para essas áreas, comparativamente a economias continentais como a brasileira (e a a norte-americana, chinesa ou soviética). Mesmo assim, nesses países, como no Japão, o comércio exterior nunca deixou de ser instrumento da política industrial.

Como constatamos, as diferenças de Taiwan e Coréia com o Brasil são grandes, mas seu estudo não é inútil na medida em que permite reter aspectos positivos “copiáveis” (como por exemplo a atitude diante do protecionismo, evitando tanto um liberalismo sem critério quanto cartórios frívolos; ou a ênfase na educação e na tecnologia) e aprendermos a não ser enganados pelos mitos em voga, que resultam de análises tão popularizadas quanto superficiais.

José Serra