É A CIDADE DE SÃO PAULO GOVERNÁVEL?

Folha de S.Paulo
22 de novembro de 1988

Estou convencido de que sim, apesar das dramáticas dificuldades financeiras e do quadro de imensas carências sociais, ampliadas nos últimos três anos pelo abandono da “área social” por parte da Prefeitura.

As dificuldades financeiras só não serão explosivas em virtude dos dispositivos tributários da nova Constituição, que permitirão um aumento de receitas para a cidade de São Paulo entre 20% e 25% a mais, caso a legislação municipal correspondente seja elaborada com rapidez (entre as mudanças constitucionais apenas o aumento da cota-parte do ICM, de 20% para 25%, é auto-aplicável). Ou seja, a nova administração terá, em quatro anos, cerca de um orçamento a mais.

Quando me refiro a orçamento, não penso, é óbvio, em nada parecido ao de 1989, tal como foi preparado pelo sr. Jânio Quadros. Apesar de que Leiva e Maluf o adotaram oficialmente em suas campanhas (numa incrível demonstração de afoiteza), esse orçamento constitui a maior peça de ficção entre todos os que já analisei em minha vida. Entre outras coisas, não são registrados cerca de 340 bilhões de cruzados de despesas obrigatórias, pois são omitidos custos a pagar deste ano e são drasticamente subestimados os juros a pagar em 1989. O montante de juros da peça orçamentária é inferior, em termos nominais, ao de 1988, apesar de admitir-se uma inflação próxima dos 500%!

Mais ainda. Todo o montante de investimentos e uma parte do custeio dependem de operações de crédito, que: (1) não necessariamente serão realizadas em sua plenitude; (2) exigem contrapartida municipal de gastos em algo próximo a Cz$ 400 bilhões, pois do contrário não serão liberadas. E esse montante também não está considerado no orçamento como despesa.
Além disso, como receita, se registra um aumento do IPTU numa proporção equivalente a três vezes a inflação prrevista, o que, do ponto de vista prático, é francamente irreal. Mesmo que não fosse, seria politicamente inviável sem uma reestruturação do imposto, que, por sua vez, levaria tempo.

Do mesmo modo que foi possível reconstrui a administração do Estado de São Paulo durante o governo Montoro, após a herança de Maluf, creio que é viável para a nova prefeita ser bem-sucedida no caminho da reconstrução do município. A prescrição é muito óbvia; (a) revisar rigorosamente todas as despesas; (b) reforçar a receita, mediante rapidez nos projetos de lei e maior eficiência na arrrecadação dos impostos existentes; (c) viabilizar as operações de crédito e renegociar as contrapartidas locais, inclusive envolvendo as partes interessadas no esforço de renegociação e viabilização; (d) escalonar não menos rigorosamente as prioridades a serem cumpridas: o que vai ser feito e o que ficará para depois.

Obviedade não significa, infelizmente, facilidade para trilhar o caminho certo. Para isso se exige capacidade administrativa, tenacidade e adequada articulação de forças políticas e sociais da cidade. Isto é necessário mesmo para fazer a Prefeitura funcionar melhor, o que já seria uma grande vantagem (sem maior custo) para a população mais carente. E requer, naturalmente, frear o populismo e o corporativismo exacerbados, doenças infantis da democratização do Brasil, que acometem os partidos políticos da direita à esquerda, às quais especialmente o PT não está infenso.

Não há porque, a priori, supor que os vencedores não possam responder com sucesso a esse desafio. Nem razão decente para desejar seu fracasso. Pelo bem da democracia e da população sofrida desta cidade, ao contrário, vamos torcer para que dê certo.

José Serra