Escolher é preciso

Folha de S. Paulo
14 de fevereiro de 1993

Há um formidável engano que vem atrapalhando e confundindo a campanha pelo parlamentarismo, pois os próprios parlamentaristas não têm conseguido esclarecê-lo adequadamente. Trata-se da idéia de que o próximo plebiscito poderá significar um “cheque em branco” para o Congresso, uma vez que a eventual escolha do parlamentarismo no dia 21 de abril não definirá a “forma” do novo sistema, que só será definida posteriormente pelos deputados e senadores.

Esta idéia tem sido utilizada espertamente pelos presidencialistas e acaba sendo aceita por muitas pessoas de boa fé, adeptos do parlamentarismo mas hesitantes em apoiá-lo precisamente por temer o cheque em branco.

Em branco? Para começar, uma obviedade que não pode ser esquecida: se fosse em branco mesmo, valeria para qualquer resultado. Caso vencesse o presidencialismo (que Deus nos proteja), o Congresso também poderia implementá-lo na forma que lhe aprouvesse – por exemplo, aumentando brutalmente seu próprio poder sem assumir nem um pingo a mais de responsabilidade pública. É isto que está implícito na proposta de Marco Maciel que impõe a aprovação dos ministros pelo Senado. Isto, no presidencialismo!

Assim, permito-me ponderar aos meus colegas parlamentaristas mais hesitantes: se temem o cheque em branco, isto não é razão para deixar de votar no sistema que é melhor.

Meu argumento principal, porém, é outro: O PLEBISCITO NÃO ESTARÁ ENTREGANDO NENHUM CHEQUE EM BRANCO, PELO SIMPLES FATO DE QUE ESSE CHEQUE JÁ EXISTE. Sabe o leitor por quê? Mesmo que não houvesse nenhum plebiscito, o Congresso poderia alterar o sistema de governo, através do processo normal de emendas constitucionais, SEM QUALQUER CONSULTA AO POVO. Mais ainda, o Congresso faria isso com certeza na próxima revisão constitucional, a partir de outubro deste ano, durante a qual a aprovação de emendas é mais fácil e mais rápida. Portanto, não é o plebiscito que está introduzindo a questão do sistema de governo. Sem ele, essa questão apareceria logo mais, dispensando qualquer espécie de consulta popular.

Pior ainda, sem o plebiscito, o Congresso caminharia para mudanças na direção de um sistema de governo híbrido, que lhe desse mais poder sem responsabilidade equivalente. Com o plebiscito, o resultado da escolha popular servirá ao menos como instrumento de pressão da opinião pública para que o sistema aprovado (o parlamentarismo, se Deus quiser) seja implementado PARA VALER, sem ambiguidades fatais. Essa pressão será poderosa. Quem viver e votar verá.

Por último, permito-me dizer que se tornaram enjoativas as reclamações de intelectuais e jornalistas amaldiçoando o plebiscito. Alguns realmente têm vergonha de defenderem o presidencialismo e as utilizam como subterfúgio. Mas outros são sinceros. E a eles cabe a pergunta: como o plebiscito será feito no dia 21 de abril (e seria a mesma coisa se fosse em 7 de setembro), qual a sua proposta? Seguir a Convergência Socialista do PT e votar em branco? Seguir o quercismo e votar no presidencialismo aventureiro? Ou correr o risco sadio do parlamentarismo, ajudando-o a vencer e ser implementado adequadamente? Só há três alternativas. Escolher é preciso.

José Serra