MULTIPLICAÇÃO DE ESTADOS

Folha de S.Paulo
26 de janeiro de 1988

O tema sobre a criação de Estados no Brasil dentro da nova Constituição não tem merecido atenção à altura de sua importância. Mais ainda, se prevalecerem as decisões da Comissão de Sistematização a esse respeito, acrescidas de uma emenda supressiva feita pelo Centrão (que explicarei em seguida), o país poderá enfrentar, no futuro, sérios problemas políticos e econômicos face às possibilidades que se abririam para multiplicar as unidades da Federação.

Convém esclarecer que não sou, a priori, contra a criação de Estados, mediante eventuais divisões ou fusões sempre que considerações de natureza econômico-administrativa o aconselharem ou, no caso de transformação de territórios em Estados, quando os primeiros já apresentem a densidade populacional e a maturidade econômica necessárias. O problema é outro: é preciso evitar que motivações estranhas aos interesses do desenvolvimento do país ou ao equilíbrio da Federação venham a prevalecer.

Um exemplo eloquente dessas motivações reside no aumento da representação parlamentar da região onde se situaria o Estado que viesse a se subdividir. Isto por que o novo texto constitucional tende a fixar tanto a irredutibilidade do número de parlamentares de um Estado determinado, como o mínimo de oito deputados para qualquer unidade federativa. Assim, por exemplo, se dividimos em dois um Estado com oito deputados e três senadores, os dois novos Estados passarão a ter, somados, 16 deputados e seis senadores, sem que sua população total tenha se alterado. No caso de transformação de territórios em Estados há um efeito parecido, pois dobra o número de deputados federais (os territórios hoje têm quatro parlamentares) e se acrescenta três senadores (os territórios não elegem senadores).

Outro exemplo de motivação estranha ao interesse público, e tão ou mais eloquente que o anterior, consiste nas vantagens econômicas localizadas (isto é, não do ponto de vista da coletividade) que a criação de Estados pode acarretar. Vantagens que, do ponto de vista nacional, representam aumento inconveniente do gasto (e do déficit) público. Pode-se mencionar a criação de Assembléias Legislativas, aumento de empregos públicos em áreas burocráticas (tudo por conta do governo federal que, apenas com Rondônia, e sem contar as despesas iniciais, tem dispendido algo em torno a 1% do seu orçamento), aumento dos Fundos de Participação (ou seja, o antigo Estado, agora subdividido, receberá mais do que antes, à custa, naturalmente, dos outros Estados, pois o total do Fundo não se altera) e, pasmem os leitores, a absorção pela União das dívidas e dos encargos de inativos (aposentados) do antigo Estado!

Aliás, foi pensando nisso que, na Sistematização, consegui aprovar uma emenda que proibe a União de assumir essas dívidas e encargos. Porém, o projeto do Centrão suprime esse dispositivo (revelando despreocupação com o gasto público). Ora, se tal supressão for acatada pelo plenário, poderíamos, por exemplo, criar o Estado do Vale do Ribeira, em São Paulo, transferindo com isso para a União 7,5 bilhões de dólares só de dívida externa, outros tantos bilhões de dívida interna e dezenas de milhares de inativos!

É preciso ter em conta que a criação de Estados no Texto da Sistematização está grandemente facilitada. Bastam três critérios: (1) Aprovação, em plebiscito, da população da região candidata a virar Estado. (2) Aprovação da Assembléia Legislativa. (3) Aprovação do Congresso.

Nesse esquema, o Executivo Federal nem seria chamado a opinar, eliminando-se a única parte que, por vocação, poderia preocupar-se com gastos. As vantagens políticas (aumento de parlamentares) e econômicas (inclusive para o “velho” Estado) são motivos poderosos para facilitar a transposição dos obstáculos (1) e (2). Por outro lado, sempre haverá a possibilidade de barganhas políticas no Congresso, que, cedo ou tarde, caso a caso, poderão permitir a superação da barreira(3).

Como se já não bastassem os critérios relativamente frouxos, a Sistematização, nas disposições permanentes e transitórias, já criou três Estados: transformação de dois territórios (Amapá e Roraima) e Tocantins (norte de Goiás). Além disso, Brasília (nas disposições permanentes) ganha autonomia e Assembléia Legislativa (a bancada federal permanece igual). Além das óbvias dificuldades políticas com a União, esta , obviamente “permomnia”, deverá manter a polícia, os bombeiros, o Ministério Público e o Judiciário dessa unidade federativa, apesar do forte aumento de receitas próprias que o novo Estado terá no contexto do novo sistema tributário.

José Serra