NOVA POLÍTICA INDUSTRIAL

Folha de S.Paulo
24 de maio de 1988

A inércia governamental a respeito de uma política industrial – inexistente desde o término do governo Geisel – foi rompida na semana passada com o anúncio de importantes medidas nas áreas de importações, exportações e tecnologia. O diagnóstico que esteve por trás das medidas apontadas é razoável e já havia sido esboçado de forma mais completa há três anos, pela comissão que elaborou diretrizes de governo para o presidente eleito Tancredo Neves (COPAG).

Fundamentalmente destaca-se: a) o problema da baixa eficiência no setor industrial, consequência de uma substituição “forçada” de importações (em parte decorrente do próprio estrangulamento cambial), da falta de exposição à maior concorrência externa e da lenta modernização tecnológica; b) a obsolescência e a anarquização do sistema de proteção tarifária vigente – impondo-se a necessidade de sua reorganização criteriosa – junto com a proliferação dos mecanismos de controles não tarifários (cotas, licenças prévias, etc.). As tarifas distribuem-se hoje de forma extremamente dispar, são elevadíssimas e, por isso, há um exagerado número de reduções especiais e casuísticas (levando a que a tarifa efetiva média seja, paradoxalmente, até moderada). O governo (pré e Nova República) demorou dez anos para dar-se conta do esgotamento de um ciclo de substituição de importações e da necessidade de impulsionar o progresso tecnológico. De todo modo, antes tarde do que jamais.

Sobre a questão tecnológica bastam algumas cifras: as despesas do Ministério da Ciência e da Tecnologia atingem somente 0,7% do orçamento da União (1988); o país como um todo gasta nessa área menos do que a Coréia do Sul, que tem um PIB quase três vezes menos; perto de 50% das indústrias domésticas mais representativas consideram-se tecnologicamente desatualizadas; gastamos apenas 55 milhões de dólares com serviços importados ligados à absorção da tecnologia (1986).

Por último, não está demais enfatizar, é bom que o Brasil aumente suas importações (embora de forma criteriosa). Um superávit comercial como o de hoje – da ordem de 5% – é excessivo quando baseado, como acontece, em importações achatadas.
Até que ponto as medidas anunciadas são impactantes e coerentes com o diagnóstico? Ainda é cedo para uma conclusão, pois são incompletas, e dependem de outros fatores, “exógenos” à política industrial propriamente dita.

Em todo caso, antes que idéias falsas se cristalizem ou precipitações ocorram, é útil advertir, como o fez W. Suzigan em artigo que sairá nesta Folha, que:
1. Tais medidas não implicam, ao contrário do que se diz, em menor interferência do Estado na economia. Não existe política industrial sem ação do governo. Entre as medidas, há desregulamentações úteis na área de exportações, mas, por outro lado, aumenta fortemente o poder do CDI (Conselho de Desenvolvimento Industrial) que, inclusive, recupera funções que havia perdido em 1979, como a de conceder benefícios fiscais. Graças a isso, a própria reforma aduaneia (tarifas) pode perder efetividade prática, sobre determinada pela política do CDI.

2. Dificilmente um forte aumento (necessário) de importações de bens de capital e de tecnologia será viável a curto prazo sem estreitamento do superávit comercial. Como fica, nesse contexto, o serviço da dívida externa? No fundo, uma coisa está amarrada à outra, ou seja, a nova política industrial a um melhor equacionamento dos problemas do endividamento.

3. Se tal equacionamento não vier a ocorrer, é inevitável que a Cacex continue, ao contrário do que se pretende, a controlar importações mediante seus expedientes heterodoxos.

Para concluir, quero dizer que tem razão o ministro Mailson quando diz que os incentivos a serem concedidos não implicarão em grande perda de receitas. Haverá principalmente um deslocamento de incentivos. Noutro artigo explicaremos porquê.
Tem razão também o ministro quando se opõe a que, no bojo das atuais medidas, venha a criação das ZPE’s.

Isto representaria a negação definitiva da possibilidade de termos uma política industrial coerente, efetiva e nacional.

José Serra