O FUTURO É A VÍTIMA

Folha de S.Paulo
19 de janeiro de 1988

Para os analistas políticos e econômicos a conjuntura brasileira apresenta-se tão enredada pelas incertezas sobre o que ocorrerá neste semestre, que a tentação maior, e evidentemente inútil, seria esquecê-la e só pensar a longo prazo. O longo prazo depende, porém, mais do que nunca, e de uma forma estreita e íntima, dos próximos eventos. Se estes forem adversos, o futuro da democracia e do desenvolvimento do país poderá ser a grande vítima.

A primeira incerteza refere-se,como é óbvio, à duração do mandato presidencial. A frase inicial do senador Mário Covas é hoje consensual: assinatura não significa necessariamente voto (nem mesmo presença) no plenário. Desse modo, os trezentos e tantos “apoiamentos” (termo que circula nos corredores do Congresso, mas não no Aurélio) aos cinco anos não significam certeza de aprovação.

Se der cinco, recrudescerá a oposição ao governo, ampliar-se-á a inquietação social e acentuar-se-á o processo de ruptura dos partidos sem que, ao mesmo tempo, melhorem as condições para o país enfrentar os problemas econômicos. Ao contrário, mais tempo para este governo implicará levar a crise mais longe e aprofundá-la.

Se der quatro anos, cria-se a esperança de que logo o país possa ter um governo legítimo, com autoridade para enfrentar a crise econômica, junto com a aceleração da corrida pela Presidência e a garantia das eleições municipais. Esperança mas não certeza. Quem será o candidato do PMDB? Quais as chances reais do Brizola? Ainda não dá para avaliar. No entanto, a resposta a ambas indagações é essencial para orientar a conduta de muitos atores decisivos do processo político e econômico. Ou seja, o problema não é somente data das eleições, mas quem pode levar.

Outra grande incerteza: qual o regime de governo que será aprovado? O fraco presidencialismo que resultou de uma fusão de propostas, ou o parlamentarismo “a la” França ou Portugal”? Esta última hipótese afasta, pelo desinteresse, possíveis candidatos (Quércia, por exemplo); fortalece outros (Montoro e Covas) e rebela terceiros (Brizola). Convém lembrar que a soma dos “apoiamentos” para as emendas parlamentaristas e presidencialistas ultrapassa em cerca de uma centena o número de constituintes.

Outra indagação: se for aprovado o parlamentarismo, a partir de quando? Imediatamente após a promulgação da nova Constituição ou no final do atual governo?

Será viável antecipar a votação do período de mandato e de forma de governo? Não se sabe. Será possível acelerar as votações de modo a apressar o término da Constituinte? Não se sabe e muitos temem que não, dado o interesse de alguns (poucos mas atuantes) em esticar ao máximo as coisas, a fim de desgastar (mais) a Constituinte ou tentar inviabilizar os quatro anos e, de outros, em dispor de mais tempo para “marcar posição” e tentar faturar popularidade em torno de teses irreais, mas generosas e agradáveis aos ouvidos de um povo que sofre as dores da desigualdade e da crise.

Como evoluirá a economia nas próximas semanas e meses? Ficará a inflação nos 15% ou já se avizinhará dos 20%? Quem vencerá o confronto: o galope inflacionário ou a voracidade fisiológica? Nunca a evolução dos preços num período tão curto pareceu exercer uma influência tão grande sobre os acontecimentos políticos.

A meu ver a melhor trajetória seria concluir a Constituição rapidamente, reestruturar e modernizar o PMDB, fazer eleições presidenciais em novembro e implantar o parlamentarismo. Nada disso representaria uma panacéia para resolver os problemas estruturais e conjunturais que acometem o país. Mas, pelo menos, poderia abrir chances para o futuro.

José Serra