Fernando Henrique faz 80 anos hoje. Abaixo, segue uma pequena entrevista que concedi ao jornal Gazeta do Povo, do Paraná, em que sintetizo a sua importância como pensador e como político. Também falo sobre a importância que ele teve na minha trajetória política e intelectual. Depois da entrevista, publico a mensagem que enviei ao site criado para comemorar o aniversário deste grande brasileiro (www.fhc80anos.com.br/) e amigo querido.

 

A ENTREVISTA

 

Qual o ponto mais importante da produção intelectual de Fernando Henrique

Cardoso na sua formação intelectual e política?

No começo do meu exílio, fui aluno dele num curso de sociologia do desenvolvimento na América Latina, em 1966, em Santiago do Chile, e li tudo o que ele havia escrito até então. Acompanhei também as diferentes versões do livroDependência e Desenvolvimento na América Latina, em co-autoria com o Enzo Faletto. Essa foi talvez a obra mais importante de meados dos anos sessenta a meados dos setenta sobre a região latino-americana, com sua abordagem histórico-estrutural do desenvolvimento.  Eu era estudante de Economia e, depois, tornei-me professor dessa área, mas a influência do Fernando Henrique sobre a minha formação intelectual foi imensa. Anos depois, chegamos a escrever um artigo juntos — As desventuras da dialética da dependência —, em 1977, quando ambos estávamos em Princeton. Devo também ao Fernando Henrique a minha reintrodução na atividade política, em 1978, quando voltei ao Brasil. Ele me apresentou a muitos dirigentes do então MDB, entre eles o Ulysses Guimarães, e eu o acompanhava a muitas reuniões. Fui um dos coordenadores de sua campanha ao Senado naquele ano. Juntos, participamos da Constituinte e da fundação do PSDB. Fui seu ministro do Planejamento e da Saúde. Isso diz tudo a respeito da influência que ele teve também na minha atividade política, legislativa e executiva.

 

Qual o principal legado do presidente Fernando Henrique?

Sem dúvida nenhuma, a vitória sobre a superinflação, iniciada quando ele foi ministro da Fazenda do Itamar Franco, e consolidada durante seu mandato, bem como a montagem da rede de proteção social no Brasil. Isto sem falar do avanço na modernização do Estado brasileiro.

 

O Brasil é hoje uma social democracia? Em que medida isso se deve à influência do governo FHC?

Caminhou nessa direção a partir dos fundamentos criados e do impulso dado pelos oito anos de mandato do Fernando Henrique. Mas ainda é uma obra inconclusa. Faltam mais desenvolvimento, mais empregos de qualidade, mais investimento público e um imenso reforço às políticas sociais universais de educação, saúde e saneamento. Há uma outra grande contribuição dada pelo Fernando Henrique Cardoso ao Brasil: seu exemplo de democrata convicto, de homem  público íntegro, tolerante e que sempre respeitou idéias e pessoas adversárias.

 

 

 

A MENSAGEM

 

Conheço Fernando Henrique há 46 anos. Chegar aos 80 com grande vitalidade física e intelectual é certamente uma fortuna. Melhor ainda para o Brasil e para nós, os seus amigos, que podemos compartilhar de sua inteligência e de sua clareza.

 

Fernando Henrique teve enorme influência na formação intelectual de várias gerações de brasileiros, e isso vale também para mim. Teve participação ativa na minha reinserção da política depois do exílio, e me foi dado o privilégio de comandar dois ministérios durante o seu governo.

 

Mesmo que assim não fosse, que não tivesse havido essa influência nem aquela amizade, eu o estaria cumprimentando de forma sincera, dada a importância que teve para o nosso país.

 

Ele foi a condição necessária para que o  Brasil obtivesse duas conquistas históricas:  o fim da superinflação de 15 anos e a implantação da rede de proteção social.

 

Devemos também a Fernando Henrique o exemplo de homem público digno, democrata convicto, defensor da liberdade e do respeito aos adversários. Fernando Henrique é uma experiência de civilidade. E sou muito grato por nossa amizade.

 

José Serra