Folha de S. Paulo
07/12/2015

Considerado uma figura estratégica na articulação para consolidar, entre os partidos de oposição, uma base de apoio a um eventual governo Michel Temer (PMDB), o senador José Serra (PSDB-SP) diz que ninguém mais acredita que a presidente Dilma Rousseff tenha condições de tocar um programa de recuperação do país, que, segundo ele, para ser levado a sério, exigiria “união nacional”.

Ele acredita que o peemedebista poderia fazê-lo, caso Dilma seja afastada? “Creio que se o destino exigir dele a tarefa de presidir o Brasil, ele estará à altura. Vai dar tudo de si”, afirma.

Serra diz que, em caso de impeachment, todos serão chamados a dar uma contribuição e admite colaborar com uma eventual gestão do peemedebista. “Vou fazer o possível para ajudar”, disse.

O tucano vai contra a corrente majoritária hoje nas hostes da oposição, segundo a qual é preciso esticar a discussão sobre o afastamento, aproveitando o recesso para ampliar o desgaste do governo. “Temos que ter a responsabilidade de concluir esse processo o mais rápido possível”, afirmou. “Começou, agora precisa ter fim”.

Ele diz ainda que não vê possibilidade de trauma para o país e que, se derrotar a tese do impeachment, a petista pode até sair maior desse processo. “O Brasil já viveu um impeachment, o do [Fernando] Collor. E qual foi o trauma?”, indagou. “Olhando para trás, entre Collor e o Real, o que você escolheria?”

Leia abaixo os principais trechos da conversa.

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Folha – A discussão sobre o impeachment deveria levar o Congresso a suspender o recesso?
José Serra – O Brasil está em compasso de espera pelo desfecho da crise política para, só então, começar a pensar em solucionar a crise econômica. Esse desfecho precisa chegar, seja ele qual for. Temos que ter a responsabilidade de concluir esse processo o mais rápido possível. Começou, agora precisa ter fim.

Folha – O governo questiona a legitimidade do presidente da Câmara, Eduardo Cunha…
José Serra – A prerrogativa de dar início ao processo não é dele, pessoa física. É do cargo que ele ocupa. E se a decisão de dar início ao pedido de impeachment foi dele, a partir de agora, todas as decisões serão coletivas, por maioria.

Folha – As rusgas entre ele e o governo não afetam o cenário?
José Serra – Não se trata de uma disputa entre Dilma e Cunha. Quem está sendo julgada no pedido de impeachment é a presidente, apenas ela. Cunha irá responder por seus atos, e o processo dele é de outra natureza. Não existe uma escolha entre um e outro.

Folha – Dilma tem investido em uma guerra de biografias.
José Serra – Não cabe a mim dar conselho a adversários políticos. Se coubesse, eu diria que estão fazendo bobagem. Tem tudo para dar errado.

Folha – O governo tem tratado esse processo como um golpe…
José Serra – Golpe foi o que o PT aplicou nas últimas eleições, mentindo reiteradamente ao povo, dizendo que ia fazer uma coisa para, depois, fazer outra. O impeachment está previsto na Constituição, faz parte da regra do jogo democrático.

Folha – Não será traumático?
José Serra – O Brasil já viveu um impeachment, o do [Fernando} Collor. E qual foi o trauma? Nenhum. Se não tivesse ocorrido, o Itamar [Franco] não assumiria e Fernando Henrique [Cardoso] não teria implantado o Plano Real, que acabou com a inflação. Olhando para trás, entre Collor e o Real, o que você escolheria?

Folha – Mas é a mesma situação?
José Serra – O impeachment do Collor foi saudável para o país. É possível que o de Dilma, se ocorrer, também seja. Esse processo também pode ser bom para ela. Se não tiver afastamento, ela vai ter condições melhores para governar, não vai ficar atuando o tempo todo para se manter, como faz hoje.

Folha – Mas o sr. vê motivos para alegar que Dilma cometeu crime de responsabilidade?
José Serra – Crime de responsabilidade não significa que o chefe do governo seja necessariamente corrupto, que tenha tirado proveito financeiro. Basta não ter tomado as providências para evitar que outros o fizessem. O país está parado, não tem governo. O juízo político não está descolado disso. O pano de fundo do impeachment é a crise econômica, política e moral. É inegável.

Folha – Há base jurídica para o afastamento da presidente?
José Serra – Se há ou não, isso será discutido em um eventual processo instruído no Senado. Eu posso ser juiz, então não cabe antecipar. Agora, o momento que o país vive é gravíssimo. A crise econômica é a maior que já tivemos. Dilma já começou o mandato sem um mínimo de crédito de confiança. É só olhar o que aconteceu essa semana.

Em qualquer lugar do mundo, quando começa um impeachment, a moeda local desvaloriza e o dólar sobe. No Brasil foi o contrário. Esse é o pano de fundo do juízo político que a Câmara vai fazer. É uma matéria que vai além da simples qualificação jurídica. Ninguém acredita que o governo dela tenha capacidade para enfrentar a crise. Muito menos para tocar um programa que, para ser viável, teria que ser de união nacional.

Folha – Mas as pedaladas fiscais justificam o processo?
José Serra – Você tem acusações que vão desde a omissão na Petrobras até a suplementação de recursos sem a autorização do Legislativo. E o processo diz respeito também a uma crise política que tem conduzido o país à paralisia e ao retrocesso. A lei que trata do impeachment fala em crimes contra a probidade na administração. O voto popular não pode servir de escudo para a impunidade.

Folha – Michel Temer terá condições de governar, se o impeachment ocorrer?
José Serra – Ele é um homem experiente, um constitucionalista respeitado, tem personalidade equilibrada. É presidente do PMDB, o que, evidentemente, já exige grande capacidade de diálogo. Sinceramente, creio que se o destino exigir dele a tarefa de presidir o Brasil, ele estará à altura. O Michel vai dar tudo de si.

Folha – Em que condições a oposição apoiaria um governo Temer?
José Serra – Compromissos de um novo estilo de governo, com menos barganha. E questões programáticas propriamente ditas. Creio também que ele deixaria claro que não pretende ir para a reeleição. Isso facilitaria a composição. Eu e, espero, o meu partido batalharíamos para preparar a implantação do parlamentarismo a partir de 2018.

Folha – O sr. cogita participar de um eventual governo Temer? Assumir ministério?
José Serra – Essa questão não está posta. Mesmo. Mas se o governo cair, todo mundo vai ter que dar a sua parcela de contribuição para tirar o país do atoleiro. Vou fazer tudo o que estiver ao meu alcance para ajudar.

Folha – Muitos viram no gesto do ministro Eliseu Padilha [Aviação Civil], que saiu do governo, um sinal de que Temer está cada vez mais longe de Dilma.
José Serra – Não sei qual foi a causa, mas é inegável que Padilha era uma peça importante na relação do governo com o Congresso e, agora, passará a ter essa mesma importância no relacionamento do seu partido com os parlamentares, principalmente os deputados. Ele e o [ex-ministro] Moreira Franco são grandes articuladores políticos.

Folha – Há a Operação Lava Jato, que ainda está em andamento e ninguém sabe até onde vai chegar…
José Serra – Temos hoje três fatores que podemos chamar de exógenos, que sempre podem alterar o quadro de maneira geral. O primeiro é a Lava Jato, que deve continuar a nos surpreender. O segundo é o efeito social da crise, que crescerá nos próximos meses. E o terceiro é a Dilma, que é sempre uma caixinha de surpresas.

Folha – A oposição foi acusada de ter aderido ao “quanto pior, melhor”. Houve erro de estratégia?
José Serra – O trabalho da oposição é muito difícil. É preciso avaliar quando se está votando contra o governo e quando se está votando também contra o país. Essas bombas fiscais têm efeito de médio e longo prazo. Podem mostrar a fraqueza do governo hoje, mas têm um efeito danoso para o futuro. A direita aqui não é conservadora, é atrasada e gastadora. E a esquerda é corporativista e mais gastadora ainda.

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RAIO-X – JOSÉ SERRA

Idade
73 anos

Cargo
Senador (PSDB-SP) desde 2015

Trajetória
Foi deputado federal, senador e ministro do Planejamento e da Saúde no governo FHC; prefeito (2005-2006) e governador de São Paulo (2007-2010), também foi candidato derrotado à Presidência (2002 e 2010)

Formação
Economista