O Estado de S. Paulo, 8 de maio de 2014

Já se disse que a política requer duas habilidades. A primeira: é preciso prever o que vai acontecer amanhã, na semana que vem e no ano seguinte. A segunda: é preciso explicar depois por que as previsões não se cumpriram. Nisso, todos os países e partidos são iguais, mas o Brasil da era petista tem sido mais igual que os outros. Há um abismo angustiante  entre o que o atual governo prevê e a capacidade de explicar por que as coisas não acontecem.

Entre as previsões megalômanas e os resultados pífios, há o reino das antileis petistas, cultivadas cuidadosamente pela presidente Dilma e sua equipe. A primeira delas, uma espécie de cláusula pétrea do petismo, prescreve a necessidade de utilizar o máximo de palavras para expressar um mínimo de pensamento. Querem um exemplo magnifico? Vejam o que a então candidata disse sobre e elevada carga tributária no Brasil num debate da campanha presidencial de 2010 (transcrevo como foi dito): “O Brasil sai também de um nível muito elevado de carga tributária, e, agora, eu acho que ele entra numa fase de com a Reforma Tributária de decréscimo. Houve muitas pessoas contrárias à Reforma Tributária nos últimos anos. Agora, seguramente, o crescimento do PIB e a redução dos juros permitirá um Brasil mais desenvolvido.” Diga-se, a propósito, que essa “Reforma Tributária de decréscimo”, seja lá o que for isso, conviveu com a elevação da carga de tributos durante o governo Dilma ao nível mais alto da história.

A segunda antilei viola o princípio de que a menor distância entre dois pontos é uma linha reta; para eles, é uma curva torta. Este passou a ser o critério dominante das ações de governo: sempre pelo caminho mais longo, incerto e penoso.  A terceira antilei supõe que o Sol e os planetas giram em torno da Terra, ou seja: a presidente e seu partido coordenam e comandam o universo da política, da economia e das instituições, de modo que as conspirações da mídia e da oposição para enfraquecê-los podem provocar algum big bang que exploda o país, ou algum buraco negro que o devore. Outra antilei, a quarta, prescreve a transformação contínua de facilidades em dificuldades. Nada que seja fácil de fazer deve ser feito. Por exemplo, cria-se um programa chamado “Ciências sem Fronteiras” para enviar bolsistas ao exterior, mas se deixa de lado o requisito prévio de que os estudantes devam dominar o idioma do país que os recebe. Eles chegam ao Canadá, não falam inglês e têm de ser repatriados ou de fazer curso de línguas em Toronto, com o dinheiro dos contribuintes brasileiros. Geram-se atritos e desperdícios, além de desmoralizar a ideia de proporcionar aos nossos jovens novos conhecimentos que os beneficiem e ao nosso país.

Há uma quinta antilei — essa, reconheço, do agrado especial da Dilma: se ela não existisse, a mandatária certamente a editaria como Medida Provisória: cada ministro deve saber menos do que a presidente sobre a sua área de responsabilidade. As ideias e a forma de execução dos projetos ficam por conta da chefe do Executivo, que exibe, entre seus principais atributos, precisamente a falta de conhecimento dos assuntos de governo e a baixa capacidade de gestão.

Finalmente, ao menos por ora, há uma sexta antilei, que é muito forte: chega-se ao governo não para administrar, mas para aprender, como se fosse um curso supletivo ou de graduação. Isso vale para toda a nação petista, nos três níveis da federação: União, Estados e municípios. O exemplo mais recente e vistoso, sem dúvida, ocorre na cidade de São Paulo, cuja administração se dedica ao papo-cabeça e aos experimentos macrolaboratoriais, em que as cobaias são os paulistanos sofredores. É o caso, por exemplo, da devolução dos hotéis da Cracolândia aos traficantes de droga a fim de que recebam seus clientes e dos subsídios dados ao dependentes químicos para que paguem preços mais altos pelo crack.

Na esfera federal, é antológica uma confissão da ministra do Planejamento, Miriam Belchior, feita numa boa, em 2011, sobre a dificuldade que estava encontrando na elaboração do Plano Plurianual (2012-2015): “Não é possível monitorar e muito menos ser efetivo com 360 programas. No PAC, todo mundo está reaprendendo a fazer obras de infraestrutura – nós, do setor público, e também o setor privado”. Isso depois de oito anos de governo do PT e já sob a presidência de Dilma, anteriormente consagrada como genitora do PAC pelo então presidente Lula!

Outra preciosa declaração, em setembro do ano passado, da então  ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, mostrou que, no 11º ano de governo, o PT ainda não sabia o que fazer com as concessões de estradas: chegou a dizer que a concessão da BR-101, na Bahia, iria ficar por último “a fim de termos uma avaliação melhor”. E continuou: “Se chegarmos à conclusão de que é impossível fazer concessão, vamos migrar para obra pública”. Como escrevi na ocasião “quantos anos já transcorreram e quantos ainda teremos pela frente até essa terapia infraestrutural de grupo chegar ao fim?”

Nesse emaranhado de antileis, vigilantemente aplicadas, pode-se vislumbrar a chama que tem derretido o prestígio de Dilma junto à população. Até porque as pessoas vão se dando conta, cada vez mais, da antilei nº 1, que maximiza o palavrório e minimiza o pensamento, dificultando  a explicação, já não diria convincente, mas, ao menos inteligível, da frustração das previsões originais e das que são refeitas a cada mês.

A mais reluzente das explicações carece de qualquer lógica: atribui-se à dobradinha entre  imprensa e oposição a culpa pelas     lambanças na Petrobrás, pela perda de mais da metade do patrimônio da empresa e pelo endividamento que bate o recorde mundial. Tudo isso faria parte de uma diabólica estratégia  daquela dobradinha para privatizar a gigante do petróleo. De acordo com esse delírio, quanto mais desmoralizada ela estivesse, mais fácil seria sua privatização! Tenho a certeza que tal disparate,  em lugar de convencer,   ofende as pessoas e aquece a chama do derretimento político não só da presidente, mas de um estilo de governo.