É essencial alterar a legislação para que o petróleo beneficie as futuras gerações

O Estado de S.Paulo

14 de novembro de 2019

A o olhar as grandes mudanças no setor de petróleo e gás brasileiro é importante rememorar o primeiro ano do governo FHC, quando se retirou o monopólio da Petrobrás da Constituição. Isso possibilitou a sanção da Lei do Petróleo, em 1997, e autorizou a realização dos leilões de blocos para exploração e produção.

A partir daí o mercado de petróleo brasileiro entrou em nova fase. Adotou-se o regime jurídico de concessão, em que as empresas disputam os blocos oferecendo o maior bônus e comprometimento com o conteúdo local. Com o início da produção, as empresas passariam a pagar royalties e participações especiais. O sucesso dos leilões foi total, com a entrada de grandes empresas petrolíferas internacionais e a criação de empresas nacionais voltadas para esse mercado.

O modelo de concessão foi o único utilizado no Brasil de 1999 ao anúncio do pré-sal, em 2008. Nesse período foram realizados nove leilões, com arrecadação de R$ 100,3 bilhões com royalties e participações especiais. Consequentemente, a produção de petróleo nacional mais que dobrou, saindo de 838 mil barris/dia em 1997 para 1,8 milhão de barris/dia em 2008. As reservas comprovadas saltaram de 7 bilhões para 12,8 bilhões.

O pré-sal encarnou a promessa de que o Brasil estaria bem próximo de viver a era de ouro do petróleo, com a previsão de enormes reservas e o preço do barril de óleo em torno dos US$ 100. Mas acabou virando instrumento político. Com o argumento da necessidade de proteção de recursos tão abundantes, decidiu-se que a exploração e produção de petróleo em áreas estratégicas para o País necessitaria de novo regime.

Em vez de promover aprimoramentos no modelo vigente, suspenderam-se os leilões por seis anos, até que se chegasse a um novo modelo considerado adequado. Em 2010, finalmente, o governo instituiu o regime de partilha da produção, que concedia à Petrobrás participação de, no mínimo, 30% dos campos do pré-sal, assim como o monopólio da operação.

Só em 2013 se realizou o primeiro leilão do pré-sal, sem que se atingisse o resultado esperado. O certame ofertou o polígono de Libra, com a estimativa de 8 bilhões a 12 bilhões de barris de óleo equivalente (BOE) recuperáveis. Mas o novo marco para a exploração do petróleo não trouxe a tão aguardada participação maciça de empresas estrangeiras. Sem concorrência, apenas um consórcio apresentou oferta e o governo recebeu o mínimo estipulado nas regras – um bônus de assinatura de R$ 15 bilhões e 41,65% do petróleo produzido após descontados os custos de produção (o lucro-óleo). Ficou evidente que o novo regime mitigou a atratividade da área ofertada.

A Lei n.º 12.351/2010 precisou ser aperfeiçoada para a realização de novos leilões sob o regime de partilha. Algumas melhorias foram realizadas com a Lei n.º 13.365/2016, que revogou a obrigatoriedade de a Petrobrás ser a operadora única, mas podendo participar com 30% em todos os consórcios.

Na sequência, o governo Temer mudou a política de conteúdo local, aprovou o Repetro – um novo regime fiscal aduaneiro que suspendeu a cobrança de tributos federais na importação de equipamentos para o setor de petróleo, principalmente as plataformas de exploração – e estabeleceu um calendário de leilões.

A assertividade das medidas foi vista nos resultados dos leilões seguintes. Em três ofertas de concessão e cinco de partilha arrecadaram-se aproximadamente R$ 42 bilhões em bônus de assinatura. Esse cálculo não inclui o megaleilão de excedentes da cessão onerosa, cujo bônus de assinatura foi de R$ 70 bilhões, valor expressivo dentro da indústria global de petróleo, mas abaixo do potencial esperado de R$ 106,5 bilhões.

Os altos valores obtidos nos leilões de partilha realizados recentemente deram ao Brasil uma posição de protagonismo na indústria mundial de petróleo e gás. Apesar disso, não preencheram as expectativas divulgadas. No último dia 7, na sexta rodada do pré-sal , somente um dos cinco blocos ofertados foi arrematado. Um consórcio da Petrobrás (80%) com a chinesa CNODC (20%) foi o único a apresentar lance para o bloco Aram.

É bom lembrar que a Petrobrás exerceu o direito de preferência em outros dois blocos – Norte de Brava e Sudoeste de Sagitário –, mas não apresentou ofertas para eles. Quando ela exerce o direito de preferência, as petroleiras que também pretendiam ser operadoras costumam desistir de fazer ofertas pelo bloco. A preferência da Petrobrás afeta pesadamente a decisão das concorrentes, o que reforça as falhas do modelo de partilha da produção.

De imediato, são essenciais duas alterações na legislação para que a riqueza do petróleo realmente beneficie as futuras gerações de brasileiros. A primeira é o fim da preferência da Petrobrás nos leilões de partilha, o que certamente ampliará sua competitividade nos leilões. A segunda, permitir ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), assessorado pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, decidir qual é o melhor regime jurídico de exploração e produção a ser adotado nos leilões do pré-sal. Atualmente, a oferta de novas áreas de exploração é feita pelo regime de partilha. Mas há um entendimento na indústria de que algumas dessas áreas, como acumulações no pós-sal, são economicamente viáveis apenas em regime de concessão. O polígono estabelecido na legislação atual não faz distinção geológica ou econômica. Pela regra, o CNPE também pode considerar uma área fora do polígono como estratégica e ofertar como partilha.

O calendário de leilões já prevê a realização de rodadas de licitações do pré-sal para o biênio 2020-2021. Portanto, quanto mais cedo esses aperfeiçoamentos forem realizados, mais o País terá a ganhar. Há espaço para alterações na legislação para realizar mudanças e aperfeiçoar o regime de leilões. E a expectativa é que sejam aprovadas no Congresso. Já foi trilhado um longo caminho em prol de mudanças do setor de óleo e gás. Não podemos parar por aqui.

*SENADOR (PSDB-SP)