A Saúde no Brasil está correndo um risco imenso no Congresso Nacional. A Câmara dos Deputados vai votar um projeto de lei complementar que tira um potencial de mais de R$ 7 bilhões do atendimento à Saúde feito pelos estados. E não há destaque para que esse dispositivo seja votado em separado e derrubado.
Refiro-me ao projeto que regulamenta a Emenda Constitucional 29 (EC 29), de 2000, que estabeleceu vinculações orçamentárias para a Saúde. A EC 29 estabeleceu que, a cada ano, o gasto federal mínimo em Saúde seja equivalente ao do ano anterior mais a variação do PIB nominal. Ou seja, o gasto tem de ser corrigido pela inflação mais o crescimento real da economia. No caso dos estados e municípios, o gasto mínimo em Saúde deve ser igual a 12% e a 15% das suas receitas correntes, líquidos de transferências. Sobre isso, vejam o artigo que publiquei na semana passada no O Estado de S.Paulo.
Pelo menos metade dos estados, embora tenham aumentado suas despesas no setor, não cumprem direito a EC 29, pois incluem como gastos em saúde recolhimento ou tratamento de lixo, asfalto, alimentação etc. O projeto de lei procura, de forma acertada, corrigir essa situação, definindo com clareza quais são os ítens de despesas com saúde. Mais ainda: permite que os estados que não cumprem a EC 29 possam se corrigir gradualmente, nos próximos anos.
No entanto, o projeto contém o tal dispositivo perverso, introduzido por um parlamentar do PT, que muda a forma de se calcular os 12% mínimos, pois elimina, sem razão nenhuma, das “receitas correntes” o montante equivalente ao Fundeb estadual. Ou seja, reduz o denominador a fim de diminuir o gasto mínimo estadual obrigatório em Saúde. O Fundeb estadual equivaleu a cerca de R$ 58 bilhões no ano passado. Os 12% desse montante promoveriam uma garfada de R$ 7 bilhões no compromisso constitucional de gasto mínimo em Saúde dos estados. Para este ano, seriam mais do R$ que 7 bilhões, dada a inflação.
Não vale argumentar que os estados já não gastam os 12% que a EC 29 determina. Em primeiro lugar, porque metade dos estados gasta, sim. Em segundo lugar, porque os outros já tiveram dez anos para se ajustar e ainda não o fizeram. É preciso levá-los a cumprirem a Constituição. Mais ainda: sem a obrigatoriedade dos 12% cheios, mesmo os estados cumpridores vão tender a encolher, no futuro, seus gastos em Saúde como proporção das suas receitas correntes.
Até agora, as discussões sobre o projeto de lei complementar têm se concentrado na criação ou não de uma nova CPMF, com outro nome, que seria exclusiva da Saúde. Ainda que essa nova contribuição fosse criada – espero que não (vejam de novo meu artigo citado) , os resultados de suas receitas não compensariam os cortes estaduais na Saúde, pois não haveria nenhum mecanismo que transferisse os recursos e garantisse sua aplicação por parte de cada estado que não cumpre ou que deixará de cumprir os 12% originais da EC 29.
É preciso lançar luz sobre o que está acontecendo e mobilizar a opinião pública contra esse verdadeiro atentado à saúde pública.
PS – No artigo que fiz para o Estadão, estimei que as perdas nos gastos mínimos dos estados em Saúde seriam de R$ 5 bilhões, em reais de 2010. Isto porque supus que o Fundeb estadual era de 40 bilhões. Mas foi de 58 bilhões, segundo averiguei posteriormente.