Prezados colegas,

É com grande prazer que aproveito esta oportunidade para trocar alguns pontos de vista com vocês sobre a situação do comércio internacional e sobre aonde devemos ir a partir de agora na OMC.

Como sabem, o Brasil está enfrentando uma situação econômica difícil, principalmente devido a causas internas e políticas. O novo governo está tomando as medidas necessárias para corrigir os desequilíbrios macroeconômicos e criar condições para o crescimento. Nesse processo, o comércio internacional e os investimentos desempenharão papel significativo e, graças à flexibilidade da taxa de câmbio, o ajuste externo está muito bem encaminhado. Infelizmente, de início, isso aconteceu principalmente, mas não totalmente, por meio da redução das importações de bens e serviços. A demanda global está reduzida e o comércio internacional crescendo mais lentamente do que a produção global.

Após a crise de 2008/9, o Brasil contribuiu durante anos para a demanda global, por meio de um déficit moderado em conta corrente, embora com base em uma taxa de câmbio sobrevalorizada. É importante que nossos parceiros agora permaneçam abertos ao comércio e, como recomendado pelo FMI, que economias importantes usem o espaço disponível para impulsionar a demanda. O reequilíbrio não pode acontecer de forma unilateral.

O Brasil agiu com perseverança para contribuir para os bons resultados que conseguimos alcançar em Nairóbi. A proibição de subsídios à exportação de produtos agrícolas evitou uma perda total de credibilidade do pilar de negociação da OMC. No entanto, a capacidade da OMC em continuar sendo um fórum de negociação relevante ainda está em questão.

Com um padrão de comércio geograficamente bem distribuído, o Brasil naturalmente valoriza a OMC, mas a experiência dos últimos dez anos não foi gratificante. Não fomos capazes de corrigir a assimetria, nas disciplinas e no acesso a mercados, vigente entre produtos agrícolas e industriais. Não fomos capazes de responder às preocupações dos países em desenvolvimento, a fim de facilitar sua participação no comércio internacional.

Se as coisas não funcionaram da maneira como tentamos, estamos prontos para experimentar novas rotas, desde que as questões que são importantes para nós permaneçam sobre a mesa.

Tendo se livrado dos absurdamente distorcivos subsídios à exportação de produtos agrícolas, principalmente nos países desenvolvidos, nosso próximo passo deveria ser o de começar a enfrentar seriamente os temas de apoio interno. Eu não acho que será possível realizar, de uma só vez, tudo o que temos de fazer nesta área para eliminar as distorções ao comércio internacional. Poderemos ter de avançar progressivamente. Mas é importante definir um enquadramento já na próxima reunião ministerial, que funcione como um ponto de partida para um processo de eliminação, passo a passo, das distorções.

Se valorizamos a OMC, deveríamos multiplicar tentativas de fazê-la funcionar. Nós provavelmente deveríamos permitir que uma série de processos de negociação avançasse em paralelo e ver quais deles darão frutos. Na próxima reunião ministerial, com base naquelas questões que estiverem maduras, tentaremos então concluir um pacote equilibrado e colher os resultados. Em vez do modelo de rodadas sobrecarregadas, deveríamos talvez tentar atingir um fluxo contínuo de resultados nas sucessivas reuniões ministeriais, que se realizam a cada dois anos.

O que o Brasil não pode ter na OMC é paralisia.

Por exemplo, em relação às questões que não estavam sendo negociadas na Rodada de Doha, é tempo de reforçar a natureza científica das medidas sanitárias e fitossanitárias. Estas medidas não tarifárias tornaram-se uma verdadeira arma contra o comércio. Devemos confiar mais nas organizações internacionais que trabalham com base em dados científicos sólidos.

Nós estamos igualmente prontos para desenvolver na OMC disciplinas que apoiem a nova economia. No comércio eletrônico (“e-commerce”), por exemplo, é importante equilibrar disciplinas que permitam que as empresas se beneficiem da previsibilidade do comércio baseado na Internet com disciplinas que assegurem a cooperação adequada para fazer valer os direitos do consumidor e o direito à privacidade. Se não alcançarmos esse equilíbrio, as disciplinas serão inúteis, uma vez que os consumidores perderão a confiança nesse instrumento, se sentirem que sua privacidade está ameaçada ou que não têm nenhuma reparação para suas queixas contra “e-traders” de outros países.

No mundo atual, acordos comerciais podem tomar uma diversidade de formatos e serem originados em muitos fóruns. O Brasil também vai seguir por esse caminho, mas permanecerá engajado nas negociações da OMC na medida em que elas progridam.