Folha de S. Paulo,  09 de fevereiro de 2004
Duas falácias sobre a condição fiscal de nossa economia circulam no noticiário. A primeira é que o atual governo não aumentou impostos. A segunda é que, em vez disso, promoveu o ajuste fiscal cortando despesas.
A primeira falácia baseia-se no argumento de que a carga tributária, isto é, o peso dos tributos no PIB, diminuiu em 2003, o que provaria que os impostos não aumentaram. Essa conclusão é equivocada e não leva em conta vários fatos. Primeiro, pode haver aumento de impostos e a carga tributária não se elevar, bastando para isso que os setores que geram mais impostos recuem ou cresçam menos do que o PIB. Segundo, a carga tributária sobre os que não sonegam pode estar subindo e, ao mesmo tempo, estar aumentando a informalidade, isto é, a fração da economia que não paga impostos, mas entra no cálculo do PIB. Terceiro, alguns aumentos de tributos promovidos pelo governo federal só tiveram vigência numa parte do ano passado, e outros entraram em vigor em 2004. Quarto e decisivo, excluindo-se as receitas atípicas, a arrecadação da Receita Federal aumentou, sim -cerca de 0,5% do PIB.
A voracidade tributária do atual governo começou cedo. No final de 2002, sua equipe de transição pediu ao presidente Fernando Henrique que vetasse, no projeto de lei que mudou o PIS, dispositivos favoráveis aos contribuintes. Em maio de 2003, já empossado, o governo elevou de 12% para 32% a base de cálculo da contribuição sobre os lucros para empresas de serviços sujeitas ao regime de lucro presumido. Aumentou também a Cofins para instituições financeiras -de 3% para 4%. Em julho, promulgou lei complementar ampliando fortemente o Imposto sobre Serviços dos municípios (pensando nas grandes prefeituras do PT). Em dezembro, a pretexto de estabelecer o regime não-cumulativo da Cofins, promoveu um aumento espetacular desse tributo. Agora, em janeiro, medida provisória introduziu o PIS-Cofins sobre importações a uma alíquota de 9,75% para a maioria das empresas, inclusive produtos como trigo e remédios. E a reforma tributária só fez, até agora, prorrogar a CPMF e a desvinculação de receitas e intensificar a guerra fiscal entre os Estados. A única medida voltada aos contribuintes foi a criação do Super Simples, proposta pelo PSDB.
A segunda falácia -de que o governo equilibrou as contas públicas cortando gastos- também é descolada da realidade, pois o déficit do setor público cresceu R$ 73 bilhões em 2003, algo equivalente a 3,5% do PIB. E isso se deveu principalmente ao acréscimo das despesas do governo federal, que passaram de 25% para 28% do PIB.
O equívoco da avaliação propagada decorre de uma idéia bizantina, curiosamente defendida há dez ou 15 anos por economistas de esquerda: a idéia de que pagamentos de juros não são despesas. Seriam o quê? Um fluido viscoso que escorre não se sabe de onde? O que ocorreu em 2003 é que os gastos federais com pessoal, investimentos e até mesmo com a erradicação do trabalho infantil caíram, mas os gastos com juros dispararam, pulando de R$ 50 bilhões para R$ 113 bilhões -R$ 6 bilhões acima das despesas com aposentados e pensionistas do INSS.
Há um círculo vicioso: os juros siderais ampliam o déficit público, e isso leva a subir os juros para financiá-lo, aumentando o déficit, que puxa novamente os juros. Nessa ciranda, perdem os empresários, sobretudo os acusados de “chorões”, com o duplo arrocho de custos -tributário e financeiro. Perdem os trabalhadores, sujeitos ao desemprego e à queda dos salários. E perde, sobretudo, o país, amarrado à lentidão do crescimento.