Por Daniel Rittner e Renan Truffi — De Brasília

 

O projeto de lei que viabiliza novas ferrovias pelo regime de autorização, como já acontece nos portos, teve seu escopo ampliado e passou a ser tratado como um novo marco regulatório do setor. Com isso, agora vai além do texto inicialmente discutido no Senado e deve afetar também a vida das atuais concessionárias.

O ganho de musculatura do projeto é resultado de negociações entre Ministério da Infraestrutura, Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF) e senador Jean-Paul Prates (PT-RN) – atual relator da proposta. As conversas se tornaram um raro exemplo de sintonia entre o governo Bolsonaro e a oposição de esquerda.

A nova redação do PLS nº 261, apresentado pelo senador José Serra (PSDB-SP) em 2018, busca diminuir o “fardo regulatório” a que concessionárias são submetidas atualmente e evitar grandes desequilíbrios na concorrência com futuras ferrovias autorizadas. No regime de autorização, investidores constroem novas linhas por sua conta e risco, sem a necessidade de um leilão, mas têm mais liberdade para operar e os bens não são reversíveis à União após o período contratual.

À medida que o projeto avançou no Senado, as concessionárias se movimentaram para emplacar mudanças. Idealmente, elas queriam transformar suas concessões em autorizações, a exemplo do que ocorreu recentemente na telefonia fixa. Isso já foi descartado. Em seguida, as operadoras de ferrovias passaram a encarar o PLS 261 como uma possibilidade de simplificar a regulação do setor. As empresas se queixam do excesso de normas da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e de sua suposta morosidade em revê-las.

“Não é de agora que existe a percepção, inclusive por parte da própria agência e do governo de modo geral, que o fardo regulatório que incide sobre o setor ferroviário deve ser revisto e reduzido”, afirma o diretor-executivo da ANTF, Fernando Paes, em nome das concessionárias. “Apesar de alguns avanços nos últimos anos, ainda há muito o que ser feito no campo regulatório. E o PLS 261, além de criar o interessante instrumento da autorização, pode contribuir para simplificação e maior desburocratização também nas concessões.”

Três pontos de interesse das operadoras de ferrovias estão entrando no projeto. Acidentes nas linhas serão classificados conforme sua gravidade, previsibilidade e inevitabilidade. Evita-se, assim, que uma empresa corra risco de punição em situações fora de seu controle. Por exemplo, um suicídio comprovado por inquérito policial em seus trilhos ou um carro que ultrapassa todas as barreiras de segurança, colidindo depois com uma composição.

O novo texto também deve incluir regras mais claras para a contratação de seguros de responsabilidade civil pelas concessionárias. E também vai prever a autorregulação das empresas para o transportes de produtos perigosos (sobretudo combustíveis).

As operadoras ainda pedem que outro ponto seja contemplado. Hoje as malhas têm “metas de produção” por trechos. Elas reclamam do conceito. Alegam, por exemplo, que basta a safra de um produto agrícola quebrar e a meta de transporte de determinado volume em toneladas fica sob risco. “É como punir a concessionária de rodovia porque um dos pedágios tem menos passando em alguma época do ano”, compara Paes. Por isso, as empresas preferem o conceito de “capacidade disponibilizada” em suas malhas.

A ANTT preferiu não comentar. Disse que, “enquanto órgão que executa as políticas públicas definidas para o setor de transportes terrestres, toma suas decisões regulatórias respaldada em estudos e pareceres técnicos de seus servidores, sempre respeitando o estabelecido nas legislações vigentes”.

O Ministério da Infraestrutura apoiou a ampliação do projeto. Técnicos da pasta afirmam que falta ao setor um marco legal e tratam o PLS 261 como oportunidade de dar mais segurança jurídica aos investidores. Diante do diagnóstico, ele foi apontado pela equipe do ministro Tarcísio Freitas como uma das prioridades legislativas do Pró-Brasil.

No entorno do ministro, há menções elogiosas ao trabalho “técnico” de Prates, que é economista e foi secretário de Energia no Rio Grande do Norte. Ele tem experiência como consultor na área de petróleo e trabalhou na regulação de infraestrutura, nos governos FHC e Lula.

Prates assumiu a relatoria do projeto na Comissão de Infraestrutura do Senado e conduziu uma série de audiências públicas, além de encontros com as partes interessadas, para recolher contribuições. Ele já conhecia Tarcísio desde que o ministro era diretor do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), no governo Dilma Rousseff, e mantinha boas relações.

“Conversamos tecnicamente, de forma neutra, acatando sempre as boas ideias”, afirma o senador petista. Mesmo sendo de oposição, ele não vê problemas em compor com o ministério em torno do novo marco, já que a lei em tramitação “não é para o governo Bolsonaro, mas para o Estado brasileiro”.

Prates diz que está “pronto” para apresentar seu relatório final. A expectativa dele e do ministério é que, dependendo de acordo no colégio de lideranças partidárias no Senado, o parecer possa ser levado diretamente ao plenário para votação – passando, assim, as comissões. Esse expediente tem sido usado para a análise de propostas na pandemia e enquanto o Congresso faz sessões virtuais.