Senado Federal, 04/03/2015

É evidente, como dizia o Primeiro-Ministro inglês Winston Churchill, que a política requer pelo menos duas habilidades. Primeiro a de prever o que vai acontecer amanhã, na semana que vem e no ano seguinte. Todo político tem que fazer isso. A segunda habilidade é que é preciso explicar depois por que as previsões não se cumpriram.

Nisso eu diria que todos os países, todos os partidos são iguais. Mas o Brasil da era do PT, indiscutivelmente, tem sido mais igual do que os outros, para lembrar aquela fábula de George Orwell. Todos são iguais, mas alguns são mais iguais do que os outros.

Realmente, há um abismo que, para mim, independentemente de conotação partidária, é angustiante, entre o que o atual Governo prevê e a sua capacidade de explicar por que as coisas não acontecem. O que eu vou tentar fazer agora é pelo menos explicar como e por que outras coisas têm acontecido.

Estamos diante de uma crise econômica de grande tamanho. Não me lembro de uma crise tão acentuada e tão difícil quanto esta na economia brasileira. Incluam aí os anos do João Goulart e os anos do governo Collor, que recebeu a herança de 90% ao mês de inflação. . A meu ver, a situação hoje é mais difícil. Há menor raio de manobra pela frente, por incrível que pareça.

As dificuldades vêm do segundo período do Presidente Lula. Foi nessa época que, de alguma maneira, foi posto ovo da serpente da crise. E olhem que a economia brasileira, na década passada, desfrutou de uma situação de bonança externa como não houve no século XX inteiro e nem no começo deste século. Basta dar um número muito simples, senador Anastasia: de 2003 a 2008, o Governo Lula teve US$100 bilhões a mais por conta da melhora das relações de troca da economia.

Ou seja, só pelo aumento do preço das nossas exportações, deflacionado pelo aumento do preço das nossas importações, o País teve de vantagem, US$100 bilhões. Não há ninguém na nossa história que tenha tido tanta sorte quanto o Presidente Lula no seu governo. .E esse prêmio foi um dado inteiramente exógeno. Não dependeu de nenhuma ação brasileira. Foi o resto do mundo que determinou.

Mas apesar dessa bonança, tivemos fatos inacreditáveis, olhando hoje em perspectiva. Numa situação de bonança externa, a última variável que tem que subir em termos reais são os juros. Mas o Governo Lula cometeu a façanha de fazer uma política de elevação de juros, apesar da abundância de dinheiro externo.

Em geral, governos procuram subir juros quando tem escassez de divisas e precisam atrair dinheiro. Tratam de criar um diferencial entre a taxa doméstica de juros e a taxa internacional. Mas naquela época, nós estávamos nadando em divisas, não era necessário subir os juros. Mas isso foi feito.

Basta dizer que no ano da crise mundial, em janeiro de 2008, o diferencial de juros domésticos brasileiros – a taxa do Banco Central e a do Federal Reserve – era, nada mais, nada menos, de 7%. Ou seja, o capital vindo de fora aqui podia desfrutar de uma remuneração adicional de 7%. Uma fortuna, está certo Senador Agripino? Uma fortuna!

Muito bem, quando o Lehman Brothers estourou, sabem qual era a diferença? Já havia a crise mundial! Sabem qual era a diferença? De 11,75%, Senador Aloysio Nunes. Um sujeito, nos Estados Unidos, tem uma poupança de mil vai ao banco e aplica cem nesse país estranho que é capaz de lhe pagar quase 12% a mais do que ele receberia nos Estados Unidos.

O que aconteceu depois do estouro do Lehman? Todos os países jogaram os juros no chão, todos menos o Brasil. Ficamos cinco meses sem mexer nos juros. Cinco meses! Com todo mundo jogando os juros para baixo, até taxas negativas, no mundo inteiro, para proteção contra a crise.

Pois bem, no final de 2009, a nossa diferença com o exterior, em matéria de diferencial de juros, ainda era de 8,5%, isso no comemoradíssimo segundo governo Lula. Oito e meio por cento!

Se isso não é política pró-capital financeiro, eu não sei o que pode ser política mais favorável para o capital financeiro. Realmente, se isso é política de um partido de esquerda, eu acho que vivo em um outro planeta, como o Senador Aloysio, como o Senador Agripino.

Qual foi a consequência? Os preços de commodities, das nossas matérias-primas, para cima, mais o afluxo de capitais que vinham curtir os juros siderais, inundaram a economia brasileira de dólares e isso levou o real para cima, ou seja, sobrevalorizou ainda mais a taxa de câmbio.

O que aconteceu? O preço das importações foi para baixo; as importações industriais passaram a crescer aceleradamente. Mas não é aquela importação que muitos gostam de dizer: “Não, é para modernizar a economia, a competitividade”.

Coisa nenhuma! Produtos de consumo para substituir a produção doméstica de bens de consumo. Paralelamente, nossas exportações industriais tornaram-se mais caras, perdendo competitividade. Esse foi o golpe de morte na industrialização brasileira. Basta dizer que nós chegamos, em matéria de participação da indústria no PIB, ao nível do pós-guerra, de 1946, de 1947.

O Brasil se desindustrializou sob o ímpeto dessa política, paradoxalmente, comandada, não digo nem que conscientemente, por um ex-operário industrial. Ele comandou a desindustrialização brasileira.

O que aconteceu mais? O déficit em conta corrente do balanço de pagamentos, que é a conta principal do Brasil com o exterior, começou a crescer rapidamente. Nós tínhamos superávit em 2005 e chegamos a um déficit que, hoje, caminha para os 5%. E, aí, não tem conversa: quando o déficit de conta corrente está nesse nível, a economia está em perigo em relação ao resto do mundo e começa a ficar de joelhos, que é o que acontece com a economia brasileira hoje.

Mais ainda, a carga tributária, no governo daquele período, foi para as nuvens – a gente sempre acha que chegou no alto das nuvens, mas, na verdade, sempre acaba aumentando mais, como se está fazendo agora – e houve uma política anticíclica curiosa: ao invés de ela estar centrada na redução de juros – porque, quando se tem uma crise, procura-se incentivar a atividade econômica –, ela esteve no aumento do gasto público, mas não com investimentos, com custeio, e de maneira permanente.

Naquela época, dizia-se que eu ia ser candidato a Presidente e me lembro que um dos motes era: “Precisamos dar todos os reajustes antes de o Serra chegar, porque ele vai arrochar o funcionalismo.” Aí, o que aconteceu foi que se botou fogo nos reajustes dos altos setores do funcionalismo, criando uma rigidez fiscal imensa, que também foi herança do governo Lula/Dilma para o Governo Dilma.

Portanto, nós tivemos câmbio megavalorizado, déficit em conta-corrente crescendo, aumento da rigidez fiscal – tudo isso até 2010.

Por outro lado, não houve, nesse período, expansão significativa de investimento em infraestrutura. Eu não sei se os colegas sabem, mas o Brasil, na época, era dos cinco países do mundo que menos investiam em infraestrutura. Na verdade, era o penúltimo, como proporção do Produto Interno Bruto. Não se investiu nada em infraestrutura.

Na prática, o que aconteceu foi que o Brasil torrou o dinheiro que ganhou com o boom do comércio exterior e com a entrada de capital estrangeiro. Nós torramos em consumo, consumo que substituiu a produção industrial doméstica, consumo de turismo externo – área em que o Brasil passou a ser um dos campeões mundiais – à custa do turismo interno, evidentemente muito mais caro, dada a sobrevalorização da moeda. Com a desindustrialização em plena marcha.

Pois bem, nesse auge do ciclo – a economia não aguentava mais – é que ocorreu a eleição de 2010, com os salários crescendo 5, 10% reais em cada mês, comparativamente ao mesmo mês do ano anterior – emprego, consumo, todos os indicadores favoráveis a um bom desempenho no processo eleitoral –, embora estivesse claro que a economia bateria logo com a cara na parede rapidamente.

Foi à época, inclusive nessa campanha, em que se vendeu – já se vinha vendendo de antes, mas, como nunca – aquela filosofia ao povo brasileiro na linha do: “Emagreça comendo; faça ginástica deitado; aprenda inglês dormindo.” “Economia? É uma clara de ovo: a gente vai batendo com o garfo, e vai crescendo milagrosamente”.

Como as coisas, na realidade, não são assim, o preço que o Governo petista seguinte pagou foi e é altíssimo! Mas não coloquem, aqui, a Presidente Dilma como inocente nessa história, porque ela foi a Ministra todo-poderosa do segundo mandato do Presidente Lula!

No Governo Dilma, nós tivemos a política que, em espanhol, se classificaria melhor – más de lo mismo –mais da mesma coisa, com a situação estrutural da economia e do mundo completamente diferente, porque era óbvio que os preços decommodities não poderiam continuar se sustentando naquela alta; era óbvio que o gasto público já não tinha mais raio de manobra; enfim, já era óbvio que aqueles fatores que permitiram a expansão anterior estavam esgotados.

E olhe que o Governo Dilma teve uma colher – não foi colher –, uma concha de chá da oposição! Porque não poucos opositores respeitáveis viam a possibilidade de cindir o PT, entre o lado bom, que seria Dilma, e o lado mau, que seria Lula. Então, a Dilma teve, também, uma colher de chá da oposição, uma oposição pouco veemente para o desgoverno que já caracterizava o seu primeiro período de administração.

Mas o Governo foi fraco, principalmente, diante dos desafios que se lhe apresentavam. Afinal de contas, Governo existe para antecipar os acontecimentos; se não antecipa acontecimentos… Função de Governo é antecipar acontecimentos. Função de Governo é saber administrar, é administrar direito! Mas nós tivemos um reino da inépcia administrativa como nunca houve no Brasil, o que já é muito a dizer! Nós temos um verdadeiro campeonato nessa matéria, nos dias atuais!

Aliás, peguem, por exemplo, a Prefeitura da cidade de São Paulo e o Governo Federal – quem é mais inepto? Dá para fazer um concurso! Pela internet, pela televisão, para identificar onde reside, onde a incapacidade mais se concentra nos dias de hoje. E como dizia um gênio nosso, de quem sempre fui um grande admirador, Millôr Fernandes:

“O grande erro da natureza é a incompetência não doer.” Essa, aliás, é uma das antileis do PT, a incompetência não dói. Para a maioria dói, para eles não parece doer. Essa é que é a verdade.

Agora, mais ainda, o Governo, não foi apenas só inepto do ponto de vista administrativo, mas também não soube fazer planejamento. Ação do Governo tem que ser planejada. É um paradoxo, tem-se um partido de esquerda no poder, planejamento é o que menos houve também. Vai-se segundo a onda. Vai-se segundo o momento. Não se enxerga não se procura enxergar os momentos seguintes, não se entende o que aconteceu para trás.

Não se fez uma coisa que era, na verdade, a grande saída, que era acelerar os investimentos em infraestrutura. Naquela época, havia toda a condição para isso, inclusive os juros não eram tão altos quanto são hoje, por exemplo, e isso é essencial para poder atrair parceria privada, em concessões ou em parcerias público-privadas, mas o investimento em infraestrutura continuou lá embaixo. Por um misto, insisto, de inépcia e também de ideologia, e também da ideia de que é possível regular o lucro dos capitalistas. Quem já fez concessões de estradas, como nós fizemos, sabe que o Governo sempre faz um cálculo, mais ou menos, de qual vai ser a taxa interna de retorno do investidor. E, na verdade, os parâmetros da concorrência são postos dessa maneira. Agora, se quem ganhar chegar lá e souber descobrir oportunidades novas, sorte dele. Isso é o que vai incentivar investimentos privados.

Eu tenho uma experiência que vivi com o nosso Senador e então chefe da Casa Civil, Aloysio Nunes. Nós construímos o trecho sul do Rodoanel. Pusemos em licitação para concessão, o trecho sul que concluímos, e o trecho leste, que não existia. Qual era o preço para ganhar a licitação? Era construir o trecho leste. E trecho leste veio a ser construído. Custou 3,6 bilhões custo zero para o Estado, zero. Vocês imaginam o que podia ter sido feito na esfera federal, meu Deus do céu! Mas eu fiquei curioso, porque eu achava, no início, que os ganhadores da licitação não iam conseguir dar conta, porque eles reduziram muito os preços na hora da concorrência. E no final deu certo. E eu perguntei a eles: “Por que deu certo?”. Eu achava que não ia dar. Vocês sabem que eu sempre sou pessimista no diagnóstico e otimista na ação, mas se quiser pessimismo no diagnóstico eu estou sempre presente. Fiquei surpreso com o sucesso. Eles disseram o seguinte: “Vocês tinham posto de desapropriação 1 bilhão”, que é o que custaria, ninguém superestimou. “Mas nós gastamos muito menos do que isso”. Eles gastaram de fato em torno de 200, 250 milhões. Por quê? Porque a área privada desapropriou com mais facilidade, com menor custo. Sorte deles. Nós ganhamos um Rodoanel de 3,6 bilhões, Cristovam Buarque, de graça, de graça! Vocês imaginam o que poderia ter sido feito na área federal, mas não foi feito. Ou seja, deixou-se de lado uma estratégia que podia puxar o crescimento do PIB e o aumento de produtividade da economia.

O investimento em infraestrutura tem esse caráter dual: ele gera emprego, porque gera emprego direto, além da demanda de insumos, bens de capital, etc. Ou seja, gera crescimento produtivo e, ao mesmo tempo, aumento de produtividade, porque reduzem-se os custos, o chamado Custo Brasil, que é da ordem de 25%. E vocês sabem que hoje uma mercadoria brasileira, comparativamente à média dos parceiros comerciais do Brasil, custa 25% a mais? Se pegarmos um software, tirarmos o custo indireto das mercadorias estrangeiras e aplicarmos o brasileiro, dará 25% a mais.

Esse é o Custo Brasil, que se soma aos problemas de câmbio, o que liquida a competitividade da economia brasileira. Isso depende de investimento em infraestrutura e, entre outras coisas também, da carga tributária e dos custos financeiros.

E mais ainda, instaurou-se era das alucinações. Eu tenho três exemplos de alucinações para lembrar aqui: uma foi a do trem-bala. Senador Tasso, programou-se um trem de passageiros, sem curvas, para ir de São Paulo ao Rio de Janeiro, sem demanda. Mandamos fazer um estudo na PUC do Rio de Janeiro, e não havia demanda – só para transportar passageiros, com custo de poder de compra atual de R$85 bilhões, e não poderia nem transportar carga.

No final, o Governo estava tão desesperado para conseguir empreiteiras para participar, porque ninguém queria, que não só ofereceu crédito subsidiado, como se dispôs a bancar, José Agripino, o déficit, caso não houvesse número de passageiros suficientes. Nesse trem-bala já gastaram algumas centenas de milhões de reais. Aliás, se o Governo quisesse ter um choque de credibilidade, a Presidente deveria ir à televisão e dizer que abandonou o trem-bala – isso melhoraria ou, pelo menos, impediria que a sua popularidade, a queda de sua popularidade, seguisse o ritmo que está seguindo.

A segunda alucinação foi a da energia elétrica, que é o que chamo de um bom erro. O que é um bom erro? Um bom erroé aquele que é cometido sem necessidade; segundo, que é irreversível; terceiro, que tem custos altos.

Com a energia elétrica foi assim. É um setor fácil? Não, mas, de repente, veio uma medida provisória que só complicou a vida e que pressupunha que a CESP e a Cemig iriam abaixar a tarifa para obter a renovação de suas concessões. Elas disseram que não, porque os governos estaduais teriam de colocar dinheiro e o plano fracassou. Resultado: acumularam-se desequilíbrios que, agora, têm que ser corrigidos. Essa foi é uma segunda alucinação.

Outra alucinação fenomenal é a do plebiscito sobre reforma política – vocês lembram! –, como resposta às manifestações do povo nas ruas, em meados de 2013. Não havia uma tradução política clara do que essas manifestações significavam. E, com o povo nas ruas, a Presidente vai à televisão e propõe um plebiscito para a reforma política, inclusive sem especificar o que era direito, só com referência a aspectos sobre financiamento de campanha, no meio daquela confusão.

Pode não se ter percebido, mas isso contribuiu, de maneira decisiva, para a população desenvolver descrédito com relação a quem está no comando. Foi um anúncio, inclusive, ininteligível, situado no plano, como eu dizia, das alucinações.

Agora, houve medidas até, eu diria, generosas, bem-intencionadas, como é o caso das desonerações, cujo custo fiscal, tributário, é da ordem de R$100 bilhões. Imaginava-se com isso que se iria reativar o investimento industrial. Olha, quando se fala de queda de investimento no Brasil, tem que se qualificar.

O que caiu mesmo – infraestrutura não tinha subido –, o que caiu mesmo foi indústria. A economia brasileira está na situação de estagnação agora, por causa de indústria. E essa coisa de que o País pode-se desenvolver sem indústria, etc., é trololó de economista desocupado, que quer épater les bourgeois, quer impressionar.

Não há nenhum país do mundo que esteja se desenvolvendo bem, países emergentes, em que a indústria não esteja comandando. Basta pegar os dados – isso é claríssimo! Essa história de que a indústria já foi é coisa da Inglaterra, de países ultradesenvolvidos, com uma renda por habitante três ou quatro vezes maior do que a brasileira. Não tem nada a ver com nosso País.

Agora, na prática, por que na indústria não se investe? Por que não há dinheiro? Não! É outro mito; dizer que no Brasil não se investe por falta de poupança é conversa.

Além do mais, quero ver qual é o político que vai chegar a uma campanha e dizer para a população: “Vocês têm que poupar mais, não consumam etc.” Não há o menor cabimento.

Há um fundo chamado Fundo Verde, que tem US$30 bilhões para investir. Se houvessem oportunidades rentáveis de investimento na indústria, vocês não tenham dúvida de que o dono desse fundo, que é sujeito mais esperto e preparado que conheço na área de investimentos, estaria canalizando dinheiro para isso. Não falta poupança; o que falta é oportunidade rentável de investimentos. Se o investimento de boa qualidade crescer, a poupança crescerá junto.

Então, pode fazer a desoneração, só que os industriais não investem, porque não querem perder dinheiro. Essa que é a realidade. Por isso é que a medida fracassou.

Agora, sem falar aqui – não quero me alongar, de forma nenhuma – nas outras áreas, da educação, da saúde ou relacionadas com outras questões sociais, como no caso das drogas. Eu sei que há muita polêmica sobre legalizar-se ou não legalizar-se a droga, mas quanto a uma coisa todos hão de convir: droga faz mal! E, se droga faz mal, como o cigarro, devia-se fazer uma campanha educativa para o pessoal não consumir droga, mostrando-se os males que traz.

Nós mostramos isso no caso do cigarro e conseguimos quebrar a perna do consumo de tabaco no Brasil, mas o Governo cultiva a ideia, talvez implícita, de que droga é coisa de moderninhos. A secretária nacional de políticas sobre drogas falou que não há epidemia de crack no Brasil, o que prova que ela está por fora. E permanece a inércia do Governo diante de um programa que seria banal, do ponto de vista de custos – insisto, como fizemos com o cigarro.

No caso da saúde, já falei bastante, já escrevi bastante. Basta uma síntese: o Governo Federal, que cobria 52% dos gastos públicos em saúde, recuou para 44%, jogando nas costas de Estados e Municípios o grosso do peso remanescente, sem que eles tenham condição de enfrentar essa situação.

A situação da saúde é calamitosa. Só para lembrar, no último ano do governo Fernando Henrique, pesquisa do Ibope mostrou que 60% da população brasileira apoiava a política de saúde – vivíamos em outro mundo. Porque a saúde já estava boa? Não! Porque viram mudanças em andamento, tinham boas expectativas.

A proporção do apoio, no ano passado era de apenas 20%. E saúde passou a ter 46% dos brasileiros considerando-a o principal problema do País. Na época do Fernando Henrique, era 6%. Não porque, insisto, não houvesse problema de saúde, mas porque havia uma política coerente sendo levada a cabo.

E na educação? Na educação – Cristovam, perdoe-me aqui por entrar na sua área, mas isso é coisa até para conversarmos paralelamente –, menciono quatro iniciativas que não prestaram atenção, de fato, àquilo que se estava fazendo: o Fies, que virou um escândalo, estatizou-se o financiamento do ensino privado sem qualquer tipo de critério – agora, descobrimos isso. Foram R$13, R$14 bilhões por ano – uma coisa absurda! – de mais da metade, folgadamente, dos alunos financiados pela Caixa Econômica, o que, na verdade, virou um bônus para o ensino superior privado sem qualquer espécie de controle de qualidade e aberto à toda sorte de espertezas.

Houve o tal do Ciência sem Fronteiras, um programa estritamente de marquetagem. Não preciso mostrar aqui as vicissitudes de alunos que chegam a Toronto, sem falar uma palavra de inglês, para fazer um curso de especialização, em que supõem que dominem o inglês.

E houve o Pronatec, que, na verdade, foi uma ideia nossa da campanha de 2010, que pegaram, para aproveitar, e que virou também um programa eminentemente para produzir números, sem qualquer controle de qualidade, controle de custos e, agora, sofrendo os problemas do atraso de pagamentos.

Foram adotadas algumas medidas que, em si, poderiam ser boas, mas que ficaram por conta dos governos estaduais e municipais: o piso nacional de professores – na época, o Ministro Haddad prometeu que o Governo Federal pagaria, e não pagou – e a hora-atividade, que é a hora não trabalhada, supostamente para preparação de aulas, que, no Brasil, dependia dos Estados e dos Municípios. Pois não é que o Governo Federal fixou o piso mínimo agora de 25%? Em São Paulo, por exemplo, essas horas-atividade em que eram de 20%, passaram para 25%. Centenas de prefeituras tendo de contratar, inclusive, mais professores por causa dessa medida.

Assim, professor de 40 horas dá 30 horas de aula; dez horas para preparar a aula. E isso aumenta o custo. Quem paga? Estados e Municípios.

Por último, eu quero dizer que o Governo Dilma, na questão econômica – e isso já aparece no caso da energia elétrica –, na verdade, forçou o aprofundamento dos desequilíbrios que recebeu, por exemplo, no caso do arrocho do preço dos derivados de petróleo, que já havia em 2010; só se aprofundou. A energia elétrica já mencionei.

E, no caso dos transportes urbanos, forçou prefeituras a não darem reajustes, ou seja, aumentou o tamanho do desequilíbrio.

Por cima, o governo Dilma ainda pegou três fenômenos exógenos, dois dos quais, estritamente, não se pode dizer que   tenha culpa: a seca, com os seus efeitos fatais sobre a energia elétrica, principalmente; a queda dos preços internacionais do petróleo, que eliminou a competitividade de boa parte da exploração do potencial de petróleo no Brasil, porque o preço caiu pela metade; e ainda o Petrolão – a minha tese é de que, mesmo sem esse Petrolão, a Petrobras estaria vivendo uma crise parecida com a que está vivendo hoje. Preciso ter isso claro.

Basta dizer que ela aumentou o seu endividamento, Tasso, com relação ao fluxo de caixa, em quatro vezes! O estoque da dívida, dividido pelo fluxo de caixa, aumentou quatro vezes devido a planos megalomaníacos, inclusive o tal do – como é que chama? – método da partilha, e isso me foi dito, inclusive, por gente que estava do outro lado, depois da campanha, que foi criado como instrumento eleitoral, porque o método de concessões, que estava funcionando bem, não se prestava a polarizar o processo eleitoral. Já a ideia da partilha poderia polarizar, devido ao mito de que isso representaria ampliar a produção sob controle nacional. Obrigou-se a Petrobras a entrar em cada poço. E ela não tinha capacidade administrativa nem financeira para isso.

Fazer dívida que é quatro vezes o fluxo de caixa é uma temeridade, sem falar da expansão descontrolada. Cristovam, são 300 mil funcionários da Petrobras terceirizados, mais cento e tantos mil empregados diretamente. É uma coisa imanejável – imanejável!

Outro dia, eu dei uma entrevista, dizendo que é preciso enxugar a Petrobras para salvá-la, e falo isso com autoridade de quem batalhou no passado pela Petrobras, inclusive numa perspectiva bem estatizante. Eu fui, isoladamente, o principal defensor da encampação das refinarias privadas em 1964, para que o sistema fosse totalmente estatizado. Então, tenho alguma autoridade para falar em defesa da Petrobras. Quer dizer, é preciso que a Petrobras seja enxugada e possa ser fortalecida naquilo que ela tem de mais vantajoso, do ponto de vista comparativo, e de mais eficiente, que é a prospecção e a exploração de petróleo.

Eu vi outro dia que a Petrobras produz fio têxtil em Pernambuco. Nada contra produzir fio têxtil em Pernambuco. Mas a Petrobras fazendo isso? Tendo essa diversidade de atividades?

Realmente, agora seria uma excelente oportunidade, inclusive, para o Governo ganhar credibilidade, de haver um plano para a Petrobras. Esse plano foi atrasado dois ou três meses por uma insistência infantil da Presidente da República de manter a Diretoria anterior. Não estou nem dizendo que a ex-Presidente Graça Foster estivesse ou não por trás daquilo que aconteceu, mas era óbvio que precisava mudar o time; não é problema de culpabilidade; é preciso haver uma imagem nova, uma energia nova.

Pois bem, eu dizia: em cima desse quadro de dificuldades, há esses fatores exógenos. E chega-se à época do ajuste. O fato é que o Governo Dilma aumentou o tamanho e a dor do ajuste que deveria ser feito.

Nós temos hoje pela frente, neste ano, estagnação, desemprego, quedas de salário, inflação teimosa, aperto externo e juros siderais. Em cima disso, quer-se aumentar os juros, cortar gastos, eliminar benefícios sociais; tudo em cima. O ajuste vai aprofundar o desajuste, Raul Jungman – vai aprofundar o desajuste! –, é uma questão de tempo.

Achar que ajuste traz desenvolvimento é um engano. Ajuste é um período transitório que deve conter, nas medidas que o acompanham, propostas de médio e de longo prazo. É conversa de economista achar que faz ajuste, aumenta imposto, corta gasto, aumenta juro, faz isso, faz aquilo, que a economia sai crescendo.

Olhem o que está acontecendo na União Europeia. Com muita clareza, está há cinco anos fazendo sacrifícios, que não satisfazem. O mercado financeiro é implacável nisso, nunca se dá por satisfeito.

Nós temos que ter uma proposta que, junto com algum ajuste que deve haver, traga consigo perspectivas para o médio e longo prazo na economia.

Eu não sou o autor original, mas há, inclusive, uma denominação para essa mania: autotelia, que ocorre quando se faz uma coisa, só pelo fato de que se tem que se fazer a coisa. Com o aumento de juros, é o que acontece no Brasil.

Aliás, a respeito dos juros, basta dar um dado, um dado bastante sintético. Se hoje se materializar a previsão do mercado financeiro, que não erra uma, que a SELIC suba mais meio ponto percentual, a taxa de juros terá aumentado 1,75% nesse ciclo de ajuste. Sabe quanto custa isso por ano? Isso custa R$27 bilhões!

Senador Fernando Bezerra, sabe que proporção esses R$ 27 bilhões representam do ajuste pretendido, no primário? Quarenta por cento. É incrível isso! Ou seja, só de aumento de gastos em juros, Senador Cássio Cunha Lima, nós vamos devorar 40% da meta do superávit primário. É uma coisa louca!

Isso no Brasil, em geral, fica oculto, porque há, eu diria, uma depravação da linguagem. . Todo mundo agora fala em “primário” – “Porque o primário é isto, porque o primário é aquilo…”. O primário é um conceito contábil, não tem existência real. O que tem existência real é o déficit público, o déficit nominal agregado. No déficit entra o cálculo dos juros, no primário não entra – muito espertamente para o sistema financeiro, esse é o que ficou prevalecendo. Ninguém fala dos juros, que já passam dos 6% do PIB, que já chegam a quase R$300 bilhões por ano. Você vai me dizer: “Não, mas tem que ter juros, austeridade”. Eu me pergunto se tem que ter sempre o juro campeão do mundo e sempre ficar ampliando a diferença com relação ao resto do mundo.

O fato é que temos aí círculos viciosos: a estagnação ou a recessão diminuem a receita, e a diminuição da receita leva à tentativa de aumentar a receita; o desemprego diminui a demanda, e a diminuição da demanda diminui o emprego. Estamos prisioneiros desse círculo vicioso, e a economia brasileira está literalmente de joelhos hoje no contexto mundial. Não precisava! Com tudo o que nós tivemos na década passada, não precisava ter sido assim. Realmente jogou-se um prêmio fora, foi-se ao vaso sanitário, jogou-se um bilhete premiado e puxou-se a descarga. Não precisava ter sido assim! Realmente não precisava!

Muita gente fala do passado – e eu fui um dos críticos do Governo Geisel, durante o qual houve um acelerado endividamento externo, com déficit em conta corrente altíssimo. Mas, pelo menos, esse dinheiro foi para investimento. Pode-se discutir se essa marcha forçada trouxe grandes desequilíbrios, mas o fato é que o endividamento externo não foi, como agora, para o consumo, para a substituição pela produção doméstica por importações ou o turismo interno pelo externo.

Agora, e a qualidade em si do ajuste? Acho que ele está sendo feito com relativamente pouca imaginação.

Vou dar um exemplo. O que o Governo deveria ter começado a fazer para efeito de corte era rever todos os contratos. O Aloysio Nunes, que me acompanhou na prefeitura, no governo do Estado e acompanhou o Governo Montoro, sabe que nós fizemos isso com tremendo sucesso. Todos os contratos tiveram de ser revisados. Isso não significa descumprir contratos. É só passar para os empresários: “Olha, vocês vão ter que baixar 5% a 10%, porque está todo mundo aqui perdendo. Vocês vão ter que dar a sua parte, senão correm o risco de não podermos renovar ou de interromper o contrato”. Ora, num país cujos gastos chamados discricionários são da ordem de R$250 bilhões, 10% disso são R$25 bilhões, 5% são R$12,5 bilhões.

Dez bilhões se conseguem com os pés nas costas. Isso dá trabalho, evidentemente, requer experiência, mas é muito menos doloroso do que outros tipos de cortes, que, na verdade, vão pegar gente de muito baixa renda, que está vivendo daquilo. É preciso enxergar as coisas que estão sendo feitas.

Agora, por outro lado – estou convencido –, faltam as questões de longo prazo.

Eu vou dar um exemplo: exportações. Na verdade, a atual desvalorização do câmbio pelo menos para isso serve, mas não vai ter efeito significativo no curto prazo. Vai ter alguma melhora, mas demora anos conquistar mercados externos.

Mas o Brasil tem tido uma política externa com viés antiexportações.

Meus colegas, o Senador Aloysio vai presidir a CRE. Eu faço um chamado a ele e ao Presidente Renan, que não está aqui, para que ele tenha ousadias como a que teve ontem com relação às medidas provisórias, em matéria de política externa. Nós temos – este Senado, esta Legislatura – que revogar o Tratado do Mercosul tal como ele está posto hoje.

O Mercosul foi um delírio megalomaníaco, e olha que atravessou vários governos, que pretendeu promover uma união alfandegária entre Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai. Sabe o que é uma união alfandegária? É uma renúncia à soberania da política comercial.

Quando eu era Ministro da Saúde, fui à Índia para abrir o mercado brasileiro para os indianos, que vendem muito barato – na época os genéricos aqui estavam sendo boicotados. Era uma abertura. Eu propus ao governo: vamos fazer um acordo para eles facilitarem a exportação de ônibus, avião e caminhão do Brasil? Mas não dava para fazer. Sabem por quê? Porque tinha que levar o Paraguai, o Uruguai e a Argentina juntos, eles perguntando: “O que eu levo nisso?”

O Mercosul paralisou a política de comércio exterior brasileira. . Houve no mundo mais de 400 acordos de livre comércio. Sabem quanto o Brasil fez? Três!. Fez um com Israel e, para não ficar mal, com a Palestina e outro com Egito. Vocês acham que tem cabimento?

Mais ainda, Senador Agripino, V. Exª que se preocupa muito com as questões na área externa, leve em conta o seguinte: na OMC, o Brasil está defendendo o multilateralismo comercial. Multilateralismo é contra acordos bilaterais. Nem a Inglaterra e os Estados Unidos, que são tradicionalmente os grandes ortodoxos em matéria de livre comércio, estão defendendo isso. O Brasil está, isoladamente, Senador Cristovam Buarque, defendendo a posição hoje mais ortodoxa e reacionária em matéria de comércio internacional. Isso só tem uma vantagem: exime o Itamaraty de trabalhar – opa, para o Ministério do Desenvolvimento e para o Itamaraty, é uma folga, porque fazer acordos bilaterais de comércio dá muito trabalho.

Então, nós temos que reduzir o Mercosul àquilo que era o mais importante e que ele não é ainda, que é uma zona de livre comércio.

O pessoal às vezes fica aqui atacando a Cristina Kirchner, atacando   porque não cumpre o acordo com o Mercosul. Eu acho que os argentinos devem fazer o que bem entenderem com a sua política comercial para o resto do mundo. Nós é que estamos insistindo em uma coisa que é inviável. Nós temos simplesmente que desfazer esse entendimento. O Mercosul tem que mudar.

Agora imaginem com a entrada de Venezuela e Bolívia, que também vão ter de estar de acordo com cada medida que for tomada em matéria de comércio com o resto do mundo? Se a gente abrir um mercado determinado, é preciso levá-los também. E perguntarão: “O que é que nós ganhamos nisso” É uma coisa louca!

Eu me lembro de que, quando estava no Ministério da Saúde, fiquei preocupado porque ia haver uma desvalorização da moeda. Antes que houvesse – eu já sabia que ia haver e isso oneraria os custos da saúde enormemente –, conseguimos desonerar as importações de insumos de saúde, entre elas a do marcapasso. E aí protestou o Uruguai, que vendia 500 marcapassos para o Brasil, o que evidentemente fruto de alguma triangulação comercial, porque o Uruguai, com todo o respeito, não deve ser produtor de marcapassos. Eles vieram protestar porque nós estávamos zerando a importação da alíquota de marcapasso e o iam perder a vantagem relativa. E o Itamaraty ainda veio falar comigo como se fosse para levar a sério essa reclamação. Não levamos isso a sério e não aconteceu nada. Quero dizer que tivemos a cobertura do Presidente Fernando Henrique, que era suficientemente inteligente e preparado para entender a natureza do problema.

O Senado que tem de agir. O Mercosul é um palco para exibição da ideia de que a Presidente está trabalhando. . Para nada! Não vou aqui reproduzir a poesia do Ascenso Ferreira, que tem um viés regionalista, mas para que tanta onda? Para nada! Essa é que é a verdade.

Outro ponto diz respeito às concessões de infraestrutura. Eu ouvi outro dia aqui o Líder do PMDB, o prócer do PMDB, Senador Jucá, dizer algo correto sobre a questão das concessões de serviços públicos.Sua preocupação com a falta de opções nessa área. Preocupação que se justifica mais do que nunca, pois concessão depende de taxa de juros.

Eu, quando era Governador de São Paulo, nas reuniões da Febraban em que estava o então presidente do Banco Central, Henrique Meirelles presente, eu sempre dizia que tínhamos que segurar os juros. Por quê? Entre outras coisas por causa dos das concessões de serviços públicos e das parcerias público-privadas.

Essa é uma área de que temos que cuidar. Como é que nós vamos criar condições financeiras para que as concessões e parcerias público-privadas possam prosseguir no Brasil? Trata-se do interesse coletivo e do desenvolvimento do país. O Governo devia estar preocupado com isso nesse contexto mesmo do ajuste.

Por último, só para dar um exemplo, há a questão da Petrobras, que precisa ter um modelo esboçado. Eu falei de composições com a área privada. O presidente atual da Petrobras, quando no Banco do Brasil, fez duas privatizações, ou deu sequência a elas: na área de seguros e na área de cartão de crédito. O Banco do Brasil, embora majoritário no controle das ações preferenciais, não tem o controle da gestão, não tem maioria nas ações que dão direito a voto, mas vem ganhando muito dinheiro.

A Petrobras tem n atividades. Cada uma deve virar uma empresa, dentro de uma holding. Vamos fortalecer prospecção e extração, e vamos diversificar o resto. O Governo tinha que estar apontando nessa direção.

Mesmo no contexto de um ajuste fiscal, nós tínhamos que estar indo adiante, mostrando um caminho para o futuro e a preocupação essencial com a reindustrialização do Brasil. Esse é o grande desafio que nós temos pela frente, porque, sem essa indústria, nós vamos passar a ser sócios-atletas do clube dos países atrasados, não dos emergentes, dos países que vão viver na linha d’água, respirando e se afogando a cada ciclo da história econômica mundial. E nós temos a obrigação, aqui do Senado, de dar uma contribuição importante, não apenas no debate, mas, inclusive, mediante iniciativas legislativas.

Queria agradecer do fundo do coração, o reconhecimento e, sobretudo, o incentivo que cada um dos Senadores que usou da palavra me trouxe neste momento, um incentivo para que trabalhemos juntos.

Eu quero dizer algo a partir do que o Senador Aécio Neves disse: que tenhamos aqui no Senado debates em torno da verdade. É evidente que as verdades podem ser diferentes, dependendo de cada Senador, de cada setor, mas elas têm que ser o norte do nosso debate. Uma das coisas que tem levado o Brasil à perdição é a divisão entre verdade e mentira, entre os bons e os maus; isso veda a discussão, isso fecha a nossa pauta. Uma das coisas que mais me aflige no Brasil de hoje é exatamente a impossibilidade de se tratarem diferentes temas que não sejam sempre pela ótica do demônio e do anjo, do bom e do mau, da verdade e da mentira.

Eu acredito que as manifestações dos Senadores reforçam muito essa nossa perspectiva. Eu agradeço de coração, inclusive as manifestações de amizade.

Quando eu falo em acabar com o Mercosul, eu digo acabar com a união alfandegária do Mercosul, não com a zona de livre comércio. Na integração econômica, há três etapas. Há a da integração comercial, que é livre comércio entre os países, uma meta. O Nafta norte-americano, de México, Canadá e Estados Unidos é uma união de livre comércio. No Brasil, nós quisemos – a Europa demorou 40 anos para fazer a união alfandegária – fazer isso em quatro anos, sem ter uma zona de livre comércio estabelecida, porque as imperfeições e as barreiras são muitas ainda. Então, quando eu falo em acabar com o Mercosul, é acabar com esse Mercosul que está aí e ter um Mercosul mais realista nos seus objetivos, que não nos amarre institucionalmente. A terceira etapa seria a da integração econômica completa, que nem a Europa está conseguindo consolidar.

E eu quero reiterar que a posição antibilateralismo comercial não se deve apenas ao Mercosul, mas também à linha do Governo brasileiro, que na, OMC, defende ortodoxamente o multilateralismo, o que é um absurdo, em contraposição às tendências de bilateralismo ou regionalismos que existem no comércio mundial hoje em dia. E nós ficamos com os defensores da ideologia do laisser-faire em escala internacional comercial, o que é inacreditável.

Uma segunda questão é a da poupança, que curiosamente o Senador Cristovam Buarque mencionou. Sabem por que a poupança é baixa hoje? Porque o Brasil não está crescendo. O que gera poupança é o crescimento. Estão aqui o Senador Tasso, que é um empresário extremamente bem-sucedido, e vários outros, como o Senador Blairo Maggi, que sabem o seguinte: quando há oportunidade rentável de investimento, o dinheiro chega. Eu nunca vi haver oportunidade rentável sem que isso seja aproveitado, inclusive pelo capital estrangeiro. Por que não? O bom déficit em conta corrente é aquele que se traduz em investimentos, não para financiar consumo ou turismo. Isso é que não tem cabimento.

Outro ponto – e isto vai nortear e norteia a minha ação política hoje, inclusive, aqui dentro do Senado – é o seguinte: Senador Jucá, nós não temos dois governos no Brasil: o Governo Dilma e o governo Joaquim Levy. Não existe isso. Há um só Governo. A meu ver, a Presidente erra quando quer passar para o País a ideia de que há dois governos. Ela passa essa ideia quando dá bronca pública ao Ministro, coisa que quem tem o mínimo de experiência em Executivo sabe que não se faz.

Quando um ministro diz algo inconveniente, em geral, pede-se ao Chefe da Casa Civil ou ao Ministro da Justiça – ou fala-se em off diretamente com o Ministro Secretário – para que ele dê um jeito de se desmentir, de relativizar o que disse. Nada de pito público. Alguém lembra do presidente Fernando Henrique fazendo isso?

Eu me lembro de uma vez em que o Senador Aloysio o ministro que coordenava as relações políticas do governo Fernando Henrique e eu, ministro da Saúde. Fiz um pronunciamento e dei uma entrevista me criou uma saia justa com uma apresentadora de TV muito popular, que era sobre a questão da “produção independente” de filhos. O Ministro Aloysio me ligou furioso, mas ninguém soube. Eu até não acatei a sugestão que ele me fez, mas não é uma coisa que foi a público. Agora, fazer isso com o Ministro da Fazenda é querer passar para o País que há dois governos. Isso retira a credibilidade do próprio Governo. É um tiro no pé. A ideia de que há duas administrações, a do Levy e a da Dilma, enfraquece o Governo como um todo, porque tira credibilidade da política econômica, que já tem suficientes problemas, uma vez que ela enfrenta um desequilíbrio muito grande e comete erros também. E, além do mais, retira-se credibilidade de quem a está executando. . Isso é inteiramente impróprio.

Outra questão, até para encerrar, é referente a um assunto em que não se tocou aqui: BNDES e transparência orçamentária. Eu quero dizer, com toda clareza, que eu sou a favor do financiamento do BNDES, com taxa de juros reais, mas menores, para o investimento a longo prazo.

O equívoco, a meu ver, do Governo não são esses subsídios. O equívoco é a falta de transparência e de critérios, porque nós temos que ter critérios claros e estabelecidos a esse respeito. A própria Constituição determina, no capítulo que fala da LDO, que a política das instituições oficiais de crédito seja explicitada junto ao Congresso, coisa que não vem sendo obedecida e que nós vamos batalhar para que passe a ser a partir desta Legislatura. Eu tenho certeza de que nós vamos ter o apoio de todos.

Eu quero também fazer outro reparo, porque, com muita correção, aponta-se que o subsídio implícito do BNDES implica gasto fiscal e não está no Orçamento, critica absolutamente correta. Eu acho que isso tem que figurar no Orçamento, como têm que figurar também outras coisas, porque há operações na área monetária que implicam gastos fiscais que não estão explicitados no Orçamento. E eu não vejo ninguém reclamar. Por exemplo, as operações de swaps trouxeram prejuízo, no ano passado, de 20 bilhões. Onde isso está registrado?

Todas as operações que são feitas no overnight, chamadas também de operações compromissadas – que, aliás, eu acho que foram pronunciadas neste plenário do Senado pela primeira vez, em toda a sua história, pelo Senador Aloysio Nunes, um não economista, um jurista de qualidade, quando esse problema chamou a atenção dele, e ele, corretamente, levantou a questão –, há uma série de despesas em relação a elas: nós temos mais de R$100 bilhões, por ano, mas não há transparência a esse respeito, e nós vamos cobrar do Governo que isso seja feito.

Por último, eu queria aqui deixar algo mais bem-humorado como encerramento.

Eu tenho falado muito de antileis que estão em funcionamento no Brasil, e são antileis mais próximas, digamos, do estilo do atual Governo. Quais são essas antileis? E digo essas palavras para efeito de encerramento, meu caro Senador Fernando Bezerra Coelho, agradecendo, desde logo, muito especialmente sua intervenção aqui.

Primeira, há uma distância muito grande entre falar e fazer. Existe a seguinte lei: “Sobre qualquer assunto, fale-se bastante; exponham-se poucas ideias concretas”. Essa é uma lei que, se V. Exªs forem verificar, se cumpre de maneira rigorosa.

Segunda, uma atitude pré-euclideana. O Euclídes de Alexandria deu-nos o axioma, de que a menor distância entre dois pontos é uma linha reta, mas o Governo insiste em que a menor distância entre dois pontos é uma espiral, uma linha torta, uma linha curva, isso diante de cada questão que tem que enfrentar.

Terceira, que são também pré-copernicanos, quer dizer, não é a Terra que gira em torno do Sol; é o Sol que gira em torno da Terra. Ou seja, o PT e seu governo são o centro do universo brasileiro, em torno do qual giram as instituições e as pessoas. De modo quando há oposição ou noticiário pouco favorável da imprensa o universo brasileiro corre o risco de explodir, sob novos big-bangs.

Uma outra antilei que é observada   com rigor é a seguinte: transformar, sempre, todas as facilidades encontradas em dificuldades. Quando se pode criar uma dificuldade, mesmo diante de algo fácil, cria-se a dificuldade, ou seja, soluções que viram problemas.

Uma quinta antilei é a seguinte: “Governo não é para governar, é para aprender”. Chega-se lá e faz-se a experiência. O sujeito vai e aprende, depois de um, dois anos. Eu me lembro da Ministra do Planejamento, depois de dois anos no Ministério do Planejamento, dizendo que eles estavam aprendendo. Aprendendo. Enquanto isso, a crise, os problemas brasileiros requerendo urgência, requerendo preparo.

A sexta antilei é da formação e funcionamento das equipes de governo.

Há um princípio que se não valesse, a Presidente Dilma emitiria uma medida provisória nesse sentido. É o de que cada chefe de equipe do governo deve ter um conhecimento menor do que o da presidente, quando, na verdade, qualquer norma de bom governo é ao contrário: nós devemos nos cercar de gente que, em cada área, saiba mais do que nós, ou, pelo menos, acreditarmos nisso.

E, finalmente, a antilei de que a incompetência não dói. Não há nenhum problema em ser incompetente na vida pública. Isso não seria, digamos, um demérito. Volto aqui à frase que eu citei do Millôr Fernandes: que, na verdade, “é um grande erro da natureza fazer com que a incompetência não doa”.

Muito obrigado, Sr. Presidente! Muito obrigado, Srs. Senadores! Obrigado do fundo do coração e obrigado também pela disposição para darmos a batalha pela verdade e pelo nosso País, juntos.

Eu quero dar aqui o meu testemunho público, Senador Jucá, porque eu já o fiz em privado, sobre o espírito de cooperação que V. Exª tem com relação a enfrentar questões difíceis, às vezes na área econômica, às vezes na área política, coisa que eu aprendi desde quando fui Senador em outra legislatura. Foi graças a V. Exª que nós conseguimos renegociar a dívida de São Paulo nos anos noventa. Foi graças a V. Exª que nós eliminamos essa aberração que eram os juros de 20% ao ano onerando as dívidas de precatórios – reduzimos para 7% –, algo muito importante para a Administração Pública no Brasil, inclusive para o combate ao déficit fiscal das três esferas de governo. Conseguimos isso graças à cooperação do Senador Jucá e, certamente, vamos contar com essa colaboração dele em muitas questões, inclusive no projeto do voto distrital nos Municípios com mais de 200 mil eleitores.

Muito obrigado!