É hora de o Parlamento assumir efetivamente suas responsabilidades e partir para a ação

Este é o meu primeiro artigo de 2020, ano de muitos desafios e, espero, de muita dedicação para obtermos consensos nos principais temas de nossa agenda política. Num país continental e populoso como o Brasil, com tantos problemas sociais e desigualdades, mas com tanto potencial, não nos podemos contentar com os pequenos avanços na economia e, muito menos, com grandes retrocessos em áreas estratégicas como educação, cultura, meio ambiente e relações exteriores.

A frase de Otto von Bismarck “a política é a arte do possível” não se aplica aqui e agora. No Brasil de hoje precisamos de muito mais do que parece plausível. A política precisa ampliar os limites do possível e patrocinar uma verdadeira revolução em nossa sociedade. Nos últimos anos a política tem produzido crises e divisão na sociedade. Um processo que parece agravar-se a cada ano e precisa começar a ser revertido em curto prazo.

Não é fácil, mas também não é impossível. Aprendi ao longo dos meus anos de vida pública que se formos pessimistas no diagnóstico, mas otimistas na ação, encontraremos o caminho. Mais ação e menos retórica, mais diálogo e menos disputas, mais planejamento e menos improviso. É preciso tirar as coisas do papel.

A política econômica deste governo avançou na agenda fiscal e dos juros. O déficit público abaixo da meta legal e o controle da dívida são pontos importantes. O efeito das devoluções antecipadas de créditos concedidos ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) entre 2008 e 2014 explica boa parte do nível mais modesto da dívida bruta. Esse e outros fatores atípicos, como o volume expressivo de receitas extraordinárias, a exemplo das provenientes dos leilões do pré-sal, escondem o fato de que há ainda um longo caminho a percorrer no controle das despesas públicas, sobretudo as obrigatórias.

A aprovação da reforma da Previdência foi, sem dúvida, o destaque de 2019, mas as medidas de ajuste de curto prazo só vieram no final do ano, com as chamadas PECs fiscais, que ainda terão de tramitar e ser corrigidas pelo Legislativo.

Na área da educação, preocupa a inação do governo e do Congresso Nacional. Em 2019 não avançamos na discussão sobre o Fundo Nacional da Educação Básica (Fundeb). Além de assegurar os repasses desses recursos para 2020, precisamos dar caráter permanente ao fundo, melhorar a sua distribuição e aumentar os recursos de forma responsável. Paralelamente, precisamos garantir a correção do piso salarial nacional do magistério público da educação básica pela inflação.

Criado no governo Fernando Henrique e ampliado em 2006, no governo Lula, o fundo representa 80% do investimento em educação em mais de mil municípios brasileiros, como demonstra levantamento da organização Todos pela Educação. É utilizado para o pagamento de salários, merenda, transporte escolar, material didático e reformas em escolas. Neste ano, a previsão é de que alcance R$ 173 bilhões.

O Fundeb, que está aguardando decisão da Mesa do Senado há sete meses, perderá sua validade no final deste ano. Portanto, deve ser a prioridade na volta do recesso parlamentar.

Na cultura houve esvaziamento da Agência Nacional de Cinema (Ancine), com a não indicação de membros para sua diretoria, que hoje conta só com um diretor dos quatro do colegiado. Além de que a possível redução de atribuições e orçamento, no contexto da reforma administrativa a ser encaminhada pelo governo, tem causado instabilidade e desemprego no setor.

Em relação ao meio ambiente, a possibilidade de o Brasil abandonar o Acordo de Paris ou os ataques do governo brasileiro à Noruega e à Alemanha – que interromperam o recebimento de recursos importantíssimos do Fundo Amazônia – não podem ser ignorados. O Brasil pode ter de devolver cerca de R$ 1,5 bilhão destinado por esses países a combater queimadas, além dos R$ 130 milhões já suspensos em agosto. Paralelamente, as queimadas na Região Amazônica cresceram 30% em 2019 – o pior resultado desde 2008. O desmonte de sistemas de fiscalização ambiental é um retrocesso inadmissível, com consequências negativas para a imagem do País no exterior, dificultando nossas exportações e provocando uma forte fuga de investimentos externos.

De todo modo é importante esclarecer que os doadores do Fundo Amazônia não impõem condicionalidades à destinação dos seus recursos, não havendo, portanto, perda de soberania.

A questão do meio ambiente é apenas um exemplo do distanciamento do tradicional e reconhecido papel da nossa política externa. Deixando de lado o perfil conciliador e defensor dos interesses nacionais, sem amigos ou inimigos, optou-se por adotar um alinhamento incondicional com os Estados Unidos, para citar um caso. Adotou-se um discurso ideológico, com a prevalência das relações com os governantes, e não com as políticas de Estado dos países parceiros.

As polêmicas, os amadorismos e recuos marcaram o ano de 2019. É papel do Congresso acompanhar de perto as opções adotadas pelo governo na área externa e contribuir para que volte ao equilíbrio. Não podemos ver passivamente o Executivo tomar partido em rivalidades que não nos pertencem, pondo em risco parcerias, relações políticas e comerciais importantes. É urgente abandonar a política em que o tom belicoso sempre precede o pragmatismo, em que concessões são feitas em troca de pequenos afagos, mas sem nada que atenda efetivamente aos interesses do Brasil.

É hora de o Parlamento assumir efetivamente suas responsabilidades e partir para a ação. Parafraseando o poeta Carlos Drummond de Andrade, não precisamos de uma lista de boas intenções para arquivá-las na gaveta. Para ganhar um ano novo que mereça esse nome temos de merecê-lo, temos de fazê-lo novo. Sei que não é fácil, mas tentaremos, experimentaremos, lutaremos incansavelmente. É dentro de nós que o ano novo cochila e espera.