Como foi noticiado, o deputado Henrique Fontana, relator da Comissão Especial da Reforma Política, apresentouanteprojeto de lei que lida, entre outras coisas, com o sistema eleitoral brasileiro. Farei em seguida alguns comentários, sem pretender abordar todos os tópicos.

 

Em termos de financiamento de campanha, Fontana propõe a criação de um Fundo de Financiamento das Campanhas Eleitorais (FFCE), a ser constituído por recursos do orçamento da União e por doações de pessoas físicas e jurídicas. O Fundo seria a única fonte admitida para financiamento de campanhas, ficando vedadas doações diretas de pessoas e empresas a candidatos. Apenas doações ao Fundo podem ser feitas, sem especificar o seu destino final. A distribuição do recurso do Fundo entre os partidos, cargos e circunscrições se dá conforme critérios de proporcionalidade previstos na lei (exemplo no caso de eleições presidenciais: 80% de acordo com proporção de votos obtidos pelo partido na eleição para a Câmara na eleição anterior, 15% igualmente entre os partidos com representantes na Câmara, 5% igualmente entre todos os partidos).

 

O projeto, é importante ressaltar, concentra totalmente nas direções partidárias o poder de decisão sobre alocação de recursos recebidos do Fundo para cada circunscrição. Ou seja, como o candidato estará, ele mesmo, impedido de captar recursos para sua campanha, a direção do partido terá em suas mãos, na prática, o poder de decidir quem se elegerá ou não — afinal, o partido decidirá não apenas a sua posição na lista partidária como o volume de recursos de que cada candidato poderá dispor. Diga-se que prever doações do setor privado a um fundo de campanha, sem qualquer direcionamento partidário ou a candidatos, chega a ser delirante.

 

Acrescente-se que o projeto tem um enorme viés pró-PT e PMDB, pois os recursos do Fundo, sejam eles orçamentários ou de doações, serão destinados em maior volume a ambos, como partidos (atualmente) mais votados nas proporcionais — nessa condição, terão enorme vantagem de partida. Além de casuística, essa é uma medida antidemocrática, pois as preferências dos eleitores podem mudar muito em quatro anos, e isso não estará refletido nos recursos disponíveis para cada partido na eleição, um evidente déficit de “accountability” do sistema.

 

Em relação às eleições proporcionais, Fontana prevê que o eleitor vote duas vezes. No primeiro voto, de legenda, o eleitor escolhe a lista preordenada do partido de sua preferência. No segundo, vota diretamente no candidato, sem vinculação obrigatória com a legenda escolhida no primeiro. Ou seja, pode votar no PSOL e num candidato, digamos, do PR!  Numa nice.

 

O quociente eleitoral será calculado somando-se os votos na lista do partido com os votos nominais dos seus candidatos. O preenchimento das vagas se dará de forma alternada, da seguinte maneira: a primeira vaga do partido será preenchida pelo candidato com mais votos nominais; a segunda, pelo primeiro nome da lista preordenada; a terceira, pelo segundo candidato com mais votos nominais; a quarta, pelo segundo nome da lista… E assim por diante. No caso do próximo candidato da lista preordenada já ter sido contemplado com vaga pelo critério nominal, passa-se ao próximo da lista (e vice-versa).

 

Há ainda a exigência de que a lista preordenada tenha pelo menos um terço de suas vagas ocupadas por mulheres, de forma alternada, ou seja, a cada três posições da lista, pelo menos uma deve ser ocupada por uma mulher.

 

Fica claro que, se o eleitor já entende pouco o sistema atual, não há a menor chance de que ele compreenda este novo critério. Por conta das vagas reservadas à lista, o número de candidatos bem votados que não se elegerão aumentará nesse sistema em relação ao atual, o que certamente gerará grande consternação ao eleitor, que hoje já tem dificuldade de entender o critério do quociente eleitoral. Que dizer então da possibilidade de se votar na legenda de um partido e no candidato de outro? Ao invés de favorecer o comportamento racional do eleitor, esse sistema só aumenta a confusão.

 

As supostas vantagens do sistema de lista fechada — simplicidade para  o eleitor, barateamento das campanhas, debate “programático” entre partidos — não podem nem remotamente ser atribuídas a esse verdadeiro samba-do-petista-doido. Afinal, o sistema proposto pelo relator é muito mais complexo e opaco do que o atual e não altera em nada o custo das campanhas. Aos defeitos do sistema que hoje prevalece , ele apenas acrescenta outros, em especial: falta de transparência para o eleitor; estímulo à incoerência do voto; controle absoluto das máquinas partidárias sobre as chances de sucesso dos candidatos.