Discurso na Fundação Mário Covas, em 25 de outubro de 2005 A etimologia de “ética”, que remete à palavra grega “ethos”, designa mais do que um conjunto de práticas ou de hábitos. Se formos investigar a palavra, vamos descobrir que ela guarda relação com o domicílio: é o lugar para onde poderemos sempre regressar porque nos acolhe. Mário Covas deixou um exemplo de ética na política: sempre pôde voltar a sua casa de cabeça erguida, fosse essa casa aquela que dividia com seus familiares, fosse a sua casa o partido, fosse a sua casa o Palácio dos Bandeirantes, fosse o Brasil. Temos de tê-lo sempre como um referencial permanentemente atualizado. Farei agora dez comentários sobre a ética, com minha visão e naquela que considero do PSDB. Primeiro A ética na política, hoje em dia, segue estranhos caminhos. Aprendi com Kant que um princípio só é bom se pode ser generalizado. Ninguém tem licença para ser aético. Os dias andam turvos. Há aqueles que pretendem ter licença especial para ser aéticos na suposição de que outros já foram antes. Não querem generalizar o bem; preferem pedir licença para generalizar o mal. Segundo Não pode existir ética na política quem não fundamenta a sua ação para garantir a liberdade, a igualdade e a justiça. Quem torna o povo cativo da falsa caridade, transformando recursos públicos em demagogia eleitoreira, não é ético; quem cria uma sociedade em que alguns são mais iguais do que outros não é ético;quem solapa as bases do Estado de Direito e, assim, pratica injustiça, não é ético. Terceiro Em Aristóteles, vamos encontrar a ética intimamente ligada a duas palavras que eram muito caras a Mário Covas, que são muito caras ao PSDB, que me são muito caras: “perícia” e “sensatez”. Ora, olhemos à nossa volta, pensemos nos dias que correm: quantos são os males que temos vivido porque falta a sensatez? Quantas são as agruras por que temos passado porque falta “perícia”? Quarto Transforma-se com freqüência, a ética num discurso meramente retórico, quase num diversionismo. Peguemos exemplos: um conjunto de fatores climáticos deixou seca a maltratada Amazônia. Mas foi a imperícia que levou fome à população ribeirinha. Foi a insensatez que fez com que os recursos não chegassem a tempo. Ou temos claro que estamos falando de ética, ou não entenderemos que a ética diz respeito ao homem comum. Peguemos o exemplo da aftosa. O vírus está na natureza. Mas ele só faz adoecer o rebanho se, de novo, a insensatez e a imperícia se juntam contra a ética da administração pública. Quinto Os jornais todos noticiaram que a eleição do presidente da Câmara exigiu, em liberação de recursos do Orçamento, R$ 1,5 bilhão. Para a seca na Amazônia, foram liberados R$ 30 milhões. Só pode haver ética onde há perícia. Não têm sido freqüentes, no Brasil, infelizmente, nem uma coisa nem outra. Sexto A ética na política, como vêem, não é uma prática ou um discurso que só interesse a políticos. Ao contrário: sua destinação e objetivo primeiros têm de ser o conjunto da população, aqueles que delegam ao Estado parte de seus recursos, por meio de impostos, parte de sua liberdade, por meio das leis, parte de suas esperanças, por meio da militância política e da organização social, para que possamos promover o bem comum. Para que possamos, então, com sensatez, com perícia, promover mais liberdade, mais igualdade, mais justiça. Sétimo Infelizmente, o que temos visto é uma justiça que, muitas vezes, parece não ter receio de ser injusta; são os homens públicos que, antes de se regozijar com a liberdade, querem tolhê-la; são governantes que, sob o pretexto de promover a igualdade, aprofundam-na, tentando chamar a indústria de miséria de distribuição de renda. O PSDB tem um papel fundamental nessa história. Está provando que é possível fazer uma outra política. E vamos fazê-la. Oitavo Antes, os supostos monopolistas da ética batiam no peito e depois apontavam o dedo acusador contra o adversário: “Nós somos éticos, vocês não são”. Falavam-no, embora lhes faltasse perícia, embora lhes faltasse sensatez. Caída a máscara, pretendem pôr a mão no nosso ombro, dividindo conosco o fardo, para declarar: “Somos todos iguais. Não somos, de fato, melhores do que ninguém. Mas também não somos piores” Falso!!! Não somos iguais coisa nenhuma! Rejeito o parentesco, rejeito a semelhança: o PSDB não aparelhou o Estado; o PSDB não promoveu uma rede de corrupção nas estatais; o PSDB nunca confundiu Estado, Partido e Governo; o PSDB não converteu a prática de caixa 2 num sistema, tampouco recorreu ao dinheiro público para criar uma malha de cooptação no Congresso. O PSDB, sobretudo, sempre admitiu seus defeitos, sempre procurou melhorar e jamais se disse o dono da verdade. Temos, como disse no dia em que venci a eleição, altivez na derrotada e humildade na vitória. Não somos iguais, não. Somos muito diferentes. O PSDB acima de tudo, não procura fazer baixa exploração da crise política, como sempre tentaram fazer conosco, e é até mal interpretado por isso. Nono É conveniente que não confundam a nossa disposição para evitar uma crise que pode ser ruim para o Brasil com fraqueza, com tolerância com os que pretendem redigir o seu próprio manual de ética, segundo o duplipensar orwelliano, em que liberdade é escravidão e ética é bandalheira. Porque não conseguirão nos arrastar para tal confusão. O Brasil saberá que é outra a nossa visão do mundo, é outra nossa política, é outra a nossa época. Décimo Todos sabem que votei “Sim” no referendo porque acredito que seria melhor para o Brasil. Mas compreendo a reação dos brasileiros. Estão também indignados com a incúria de certas políticas oficiais que só são sensatas na retórica, que só exibem perícia no discurso. A população mandou um importante recado nas urnas: cobra um Estado mais eficiente e que cumpra com mais determinação o que está, em suma, contratado, combinado. Nesse referendo, estive com a minoria. Mas sei reconhecer quando a maioria emite um claro sinal. No fim das contas , ela está cobrando mais sensatez, mais perícia, mais ética. Que o PSDB de Mário Covas e de todos nós saiba entender esse recado.