A semana do imposto e do gasto

Folha de S.Paulo
12 de abril de 1988

Provavelmente amanhã a Constituinte deve começar a votar os capítulos tributário, orçamentário e financeiro, de grande relevância para a moldura institucional futura do país. Os textos a serem votados são os que vêm de mais longe, desde a época das comissões temáticas, e foram assimilados tanto pela Comissão de Sistematização quanto pelo texto do “Centrão”.
Na parte tributária, os aspectos mais importantes relacionam-se com a descentralização de recursos a favor dos Estados, municípios e regiões menos desenvolvidas, bem como ao reforço da autonomia estadual e local. Do mesmo modo, caminha-se bastante na direção da maior justiça na repartição social da carga de impostos e da modernização do sistema tributário.

Nestes dois últimos aspectos valeria a pena ressaltar a criação do imposto às heranças (estadual), a maior universalidade do Imposto de Renda (acabam os privilégios e tratamentos desiguais entre iguais) e a possibilidade de o ICM (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias) incidir de forma diferente segundo a essencialidade dos diferentes produtos, o que permitirá cobrar menos dos produtos alimentares básicos, por exemplo.

Simultaneamente, o ICM ficará maior, absorvendo cinco impostos federais, que perderão assim sua cumulatividade (hoje são cobrados várias vezes, seguindo as etapas do processo produtivo). Trata-se de uma simplificação extraordinária, que ajudará as empresas e a produção, sem prejudicar os contribuintes.

A descentralizaçãoe a maior autonomia, por sua vez, são necessárias, mas implicam em perdas para o governo federal (20% de sua receita, em seis anos, sendo a maior parte em 1989). Por que necessárias? Porque Estados e municípios podem fazer melhor as coisas, são mais facilmente controlados e conhecem melhor as necessidades da população. Não há razão para manter a política do pires na mão de governadores e prefeitos, junto à Seplan, ao Ministério da Educação, ao MDU e ao Ministério do Interior. Isto favorece a má destinação dos recursos e a manipulação política, além de eventos desagradáveis como os que têm envolvido as intermediações de verbas.

O governo federal se queixa de que a perda de recursos é excessiva. Sobre isso convém dizer charamente que: 1) Na prática, o interesse do governo em tratar do assunto junto à Constituinte, desde o começo, foi mínimo, convergiu a zero. Tivesse dedicado 10% do tempo que dedicou ao mandato do presidente Sarney e as coisas poderiam ter sido mais racionais; 2) São as bases governistas as que mais pressionam pela redistribuição; 3) Terá que haver descentralização de funções e encargos. Isso é crucial e dependerá em boa medida da vontade e da determinação do Planalto, da responsabilidade do Congresso e do espírito público de prefeitos e governadores.

No capítulo orçamentário, que cuida do gasto público, os avanços são enormes. Em apenas seis artigos, enxutos, amplia-se e democratiza-se notavelmente o controle desse gasto, o que corresponde a uma aspiração sentida da população. Pior, ou pelo menos tão pior quanto pagar impostos, é constatar, sentir, que o dinheiro arrecadado é mal gasto.

Fundamentalmente, amplia-se a abrangência do orçamento, que deverá incluir, além das contas fiscais tradicionais, o orçamento da Previdência (“Seguridade Social”), que nunca foi apresentado ao Congresso, e dos investimentos das empresas estatais. O orçamento fiscal tradicional também deverá conter todos os subsídios e incentivos, creditícios e fiscais. E já no primeiro semestre o governo deve enviar uma “lei de diretrizes orçamentárias”, que fixará, parâmetros e as prioridades dos orçamentos que serão votados no segundo semestre. Isto, inclusive, disciplinará a participação dos parlamentares na elaboração do orçamento, consideravelmente ampliada na nova Constituição.

Mais ainda, no capítulo financeiro, proibe-se o Banco Central de financiar o Tesouro e dar subsídios ao setor privado, via suprimentos de crédito. Restringe-se o banco à sua função primordial de autoridade monetária, para regular juros e quantidade de dinheiro de economia.

José Serra