O Estado de S. Paulo, 22 de dezembro de 2011

Em essência, ao término do seu primeiro ano de mandato pode-se dizer que o Governo Dilma ainda não começou. Não se sabe ainda a que veio,  quais seus rumos. A boa nota atribuída à presidente nas pesquisas talvez seja, em parte, um voto de confiança para que definitivamente comece a governar a partir de 1.º de janeiro de 2012.

O crescimento encolheu;  a indústria e o investimento industrial caíram mais do que proporcionalmente;  grandes empresas continuam procurando e realizando investimentos no exterior; os investimentos públicos se retraíram;  os incentivos fáceis ao consumo de bens duráveis foram retomados, com impacto maior sobre as importações;  a carga tributária aumentou e os juros reais anualizados, apesar da decisão correta do Banco Central de reduzí-los em cerca de um oitavo, continuam os campeões mundiais – cerca de 5,5%. Note-se que os comemorados  investimentos da Petrobrás têm ficado bem abaixo do previsto e que seu impacto de demanda sobre a indústria doméstica tem sido medíocre, pela falta de planejamento e de reforço da engenharia nacional.

Na área social, houve uma ampliação cosmética de transferências de renda. A Saúde sofre críticas veementes da população, tendo os gastos federais no setor recuado em relação às receitas correntes. Na Educação, permanece a centralização e a lentidão no Ensino Técnico, a inércia no Ensino Superior, e o espetáculo triste das provas de avaliação, ENEM à frente.

Dois programas novos, copiados das propostas da oposição  na campanha do ano passado, não foram até agora adiante: o Mãe Cegonha (era “Mãe Brasileira”) e o Pronatec (era o “Protec”, então satanizado pelo petismo). Um ano teria representado tempo demais para implantá-los. Note-se que o Pronatec não permite dar bolsas a alunos de escolas técnicas privadas, discriminação absurda e pouco prática, enquanto o ProUni faz prodigamente o contrário.

Outros segmentos da área social não foram bem. No Saneamento, predominou a conversa mole, apesar de que 54% dos lares brasileiros não estão sequer ligados a redes de esgotos. Cogita-se agora adotar uma proposta nossa 2007 e vetada reiteradamente pelo governo Lula-Dilma : eliminar os tributos sobre as empresas de saneamento (trata-se do PIS-Cofins, aumentado em 2004), em troca de mais investimentos em áreas carentes. São mais de 2 bilhões de reais por ano. Esperemos que o recuo de fato aconteça e que seja bem feito.

Na Segurança, prosseguiu o show de  retórica, sem a prática correspondente. Continua o falatório sobre o Pronasci, um dos programas mais fracassados da história: previu reduzir a taxa de homicídios à metade até 2010, mas ela permaneceu no mesmo lugar, lá no alto. O agravamento dos homicídios em vários estados não tem provocado nenhuma ação federal intensa e consequente.

As fronteiras continuam com suas veias abertas. Mas contratou-se agência de publicidade para, entre outras coisas,  “melhorar a sensação de insegurança sobre as fronteiras”, com gasto de 10 milhões de reais/ano, equivalente a uns 60% do que foi destinado melhorar o sistema de defesa fronteiriço!

E em relação ao crack, que mistura Saúde e Segurança? De novo grandes anúncios, mas nada prático de janeiro a dezembro, longo tempo para ter-se feito alguma coisa.

Na infraestrutura, prossegue a marcha da insensatez. Já falamos muito sobre isso. A capacidade executiva do governo nessa área está rente ao chão, e as concessões ou são mal feitas, como nas estradas, ou vêm com atraso de anos, como nos aeroportos (e os que propunham isso na campanha eram demonizados), ou estão engatinhando, como no caso dos portos. Não se conseguiu fazer nenhuma Parceria Público Privada em nove anos!

A falta de planejamento continua gritante. Dois exemplos. Os linhões da Usina de Santo Antonio, em Rondônia,  se atrasaram vis a vis o começo da geração, o que vai levar ao subaproveitamento dos investimentos. No Pará, a eclusa de Tucuruí no Rio Tocantins, recém concluída depois de décadas, custou uma fortuna mas não tornará o rio navegável, pois falta remover os pedrais  a montante e a jusante. Assim, o retorno dos bilhões já gastos foi dramaticamente postergado.

A transposição do São Francisco não anda, face ao projeto básico mal feito, e as obras já feitas se deterioram. Ah, sim, mantém-se o alucinado projeto do trem bala RJ/SP: 65 bilhões de reais, só para passageiros, sem demanda que o justifique e completamente fora de esquadro em matéria de prioridades.

No campo legislativo,  a propalada reforma política só serviu para ocupar a imprensa – jogou-se pela janela a oportunidade de uma medida fácil de adotar por lei e virtuosa no que diz respeito ao apuro democrático à redução de custos de campanha: o voto distrital nos municípios de mais de 200 mil eleitores.Reforma Tributária? Nada fora o falatório. Royalties do Petróleo? Governo sem liderança para arbitrar um problema que ele próprio criou.

De resto, mudanças perigosas na legislação das concorrências, tendo como pretexto a Copa do Mundo. Aprovada para ser realizada no Brasil há 4,5 anos, a Copa deu lugar a comemorações e muita propaganda. Mas sequer a Lei da Copa foi votada e as obras estão desarticuladas, com imenso potencial de custos e escândalos. Sabem qual a medida mais inovadora nessa área? O anúncio de que serão antecipados os recessos escolares e decretados feriados nos dias de jogos, para aliviar a demanda por serviços urbanos…

O grande sucesso do PT no seu primeiro ano de governo , em 2003, foi o Fome Zero, programa bem avaliado em pesquisas,  mas que não existiu. O grande sucesso em 2011, nono ano de governo petista,  foi a faxina, que também não existiu. Mas serviu para preencher o tempo: seis ministros sairam por denúncias da imprensa e pressão da opinião pública,  e,  ao que tudo indica,  o processo não vai acabar.

Outros 30 ou 40% dos esforços foram empregados no infindável jogo da comunicação: anúncios, propaganda paga, ameaças à liberdade de imprensa e fortalecimento do pseudojornalismo, destinado a tentar moer reputações e chantagear a imprensa séria. Uma obra e tanto para o primeiro ano do terceiro governo do PT!