Folha de S.Paulo, 22 de julho de 2001

É difícil acreditar, mas é verdade: a empresa norte-americana Philip Morris, uma das gigantes da indústria mundial do tabaco, divulgou o relatório de uma pesquisa que pretende demonstrar os benefícios do consumo de cigarros para as finanças públicas da República Tcheca. A sinistra conclusão da pesquisa, encomendada pela companhia à empresa de consultoria Arthur Little International, é: os fumantes morrem mais cedo; logo, ajudam a reduzir os gastos públicos na área de saúde e no sistema previdenciário.

Além da conclusão absurda, a pesquisa tem sido contestada pelas inconsistências metodológicas. Ela subestimou os recursos despendidos no tratamento dos fumantes e não considerou os impactos econômicos que ocorreriam se o dinheiro gasto na compra de cigarros fosse usado para o consumo de outros bens.

É difícil captar os objetivos dessa pesquisa estarrecedora. Ela busca, aparentemente, responder à acusação do governo tcheco de que a indústria do tabaco estaria aumentando os gastos públicos com o tratamento de doenças relacionadas ao hábito de fumar. A Philip Morris – é conveniente registrar – produz cerca de 80% dos cigarros consumidos na República Tcheca.

A companhia pode estar querendo, ao rebater o governo tcheco, defender-se das críticas e dos processos que têm sido lançados contra a indústria do tabaco em outros países por motivos semelhantes. Na hipótese mais macabra, a companhia estaria tentando convencer os governos a serem tolerantes com o consumo e a propaganda de cigarros, porque a morte precoce dos fumantes poderia ajudar a conseguir o tão desejado equilíbrio das finanças públicas.

A iniciativa de financiar e divulgar tal pesquisa é ainda mais chocante porque a Philip Morris tem se declarado disposta a colaborar com a elaboração da Convenção para o Controle do Tabaco, um tratado internacional proposto pela Organização Mundial da Saúde (OMS) com o intuito de reduzir o número de enfermidades e de mortes provocadas pelo hábito de fumar.

Cabe ressaltar que aproximadamente 1,1 bilhão de pessoas, em todo o mundo, consome produtos derivados do tabaco – prevê-se que o número de usuários alcançará a casa de 1,6 bilhão em 2025. As estatísticas apontam ainda que as enfermidades decorrentes do consumo de derivados do tabaco são responsáveis, anualmente, por 1 em cada 10 mortes. A projeção é de que esse número aumentará para 6 em cada 10 óbitos anuais em 2030.

Os dados indicam também que a incidência das doenças relacionadas ao uso do tabaco, tanto das crônicas, quanto das agudas, estava concentrada nos países ricos, mas, com a expansão do mercado de tabaco nos países em desenvolvimento, essa tendência se inverteu com extrema rapidez nos últimos anos. De acordo com estimativas da OMS, em 2020, 7 de cada 10 mortes relacionadas ao tabaco ocorrerão em países de baixa e média rendas, aí incluídos o Brasil e a República Tcheca, objeto da condenável pesquisa financiada pela Philip Morris.

Da iniciativa desastrada da companhia americana resultou, no entanto, um bem imprevisto: ao sugerir que os governos podem economizar recursos com a morte precoce dos fumantes, a pesquisa da Philip Morris confirmou publicamente que o uso de produtos derivados do tabaco abala a saúde e encurta a vida dos consumidores.

Essa confissão, involuntária e mórbida, deve servir para reforçar nos governos responsáveis a decisão de conter a propaganda e a difusão desse hábito destrutivo. É o que o governo brasileiro continuará fazendo, por diferentes meios, apesar das fortes pressões em contrário.