A resistência à ida do antigo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) para o Banco Central aumentou entre os parlamentares integrantes da Comissão Mista da Medida Provisória 893/2019, presidida pelo senador José Serra (PSDB/SP). A MP transforma o Coaf na Unidade de Inteligência Financeira (UIF).

Nesta quarta-feira (2), Serra comandou a 4ª audiência pública da comissão, desta vez com os seguintes convidados: o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo (2011-2016) e o advogado Antonio Pitombo. Ambos criticaram a MP de forma dura e consistente, a exemplo dos demais convidados ouvidos pelos membros da comissão ontem e na semana passada.

Ontem, também na comissão, o advogado Pierpaolo Cruz Bottini e o economista Affonso Celso Pastore (professor e ex-presidente do Banco Central) também criticaram a decisão. Além deles, os parlamentares presentes na audiência, como Kim Kataguiri (DEM/SP), também se posicionaram contra.  A presença dos convidados atendeu a requerimentos do presidente da comissão, o senador José Serra (PSDB/SP) e do deputado Carlos Zarattini (PT-SP). Economista-chefe da Federação Brasileira de Bancos, Rubens Sardenberg foi menos pessimista em relação à MP.

Durante as duas audiências, Serra questionou os participantes sobre como é possível assegurar os sigilos de documentos e relatórios da UIF se ela estiver vinculada ao BC. “E como identificar e responsabilizar agentes públicos que contribuírem com vazamentos?”, indagou o senador paulista.

Na opinião de José Eduardo Cardozo, a saída do Coaf do Ministério da Economia foi um erro. “O Ministério da Justiça não me parece vocacionado para concentrar órgão de inteligência. Já basta a inteligência da Polícia Federal. Assim como a inteligência das forças armadas também deve ficar no Ministério da Defesa e a Abin, submetida ao gabinete presidencial”, afirmou.

“E aí os órgãos de inteligência que dialoguem. Mas não se concentrem em um ser todo poderoso, que poderá ter a República a seus pés”, observou. A seu ver, no BC, o Coaf será limitado e atrofiado. “O Coaf deve ficar onde está e ser fortalecido com regras de procedimentos que sirvam para amigos e inimigos em favor da absoluta imparcialidade e impessoalidade e do Estado democrático de direito”, ponderou.

O advogado Antonio Pitombo afirmou existirem quatro modelos de unidades de inteligência financeira no mundo: judicial, penal, administrativo e híbrido. “O nosso modelo é administrativo e sempre funcionou muito bem. O Coaf não existe para servir ao Poder Judiciário, à Polícia Federal ou ao Ministério Público. Não deve servir a nenhum órgão de persecução e nem ao BC”, salientou, para em seguida complementar: “Não vamos criar uma pequena gestapo financeira”.

“Desvio de função” – Ao comentar a decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffolli, que reestabeleceu as regras constitucionais de sigilo fiscal para os membros do Coaf, ele alertou que o Ministério Público Federal começou a achar que o Coaf está à disposição dos promotores e procuradores, mandando ofício atrás de ofício, deixando isso de lado. “Estava se dando ao Coaf um sentido que não lhe é pertinente. O Coaf não é um órgão feito para atender aos órgãos persecutórios”.

Pitombo disse que a atribuição do Coaf se entende por eliminação: não é regulado pelo BC, Susep ou CVM. Por exclusão, na opinião de Pitombo, não faz sentido trazer o Coaf para o “colo” do Banco Central. “O Coaf tem mercados difíceis de regular, como o de arte e o imobiliário, por exemplo, ou o das moedas virtuais, as criptomoedas, que temos agora. Assim como já tivemos no passado os problemas das factorings, que o BC não queria, muitas vezes, regular”, enfatizou.

Pela rejeição – O deputado Arlindo Chinaglia declarou estar cada vez mais convencido de que a MP 893/2019 deve ser rejeitada ou caminhar para fazer o Coaf retornar para o Ministério da Economia. “Quero sensibilizar o relator para essa tese”, afirmou, dirigindo-se ao deputado Reinhold Stephanes Júnior (PSD/SC). O relator adiantou que pretende apresentar o seu relatório na terça ou quarta-feira da semana que vem. E sinalizou que vai acatar a emenda que obriga que os membros da UIF sejam compostos unicamente de servidores de carreira do Estado.

Vice-presidente da comissão e vice-líder do governo, a deputada Bia Kicis (PSL/DF) reagiu. “Acatar essa emenda traz preocupação. O Congresso deve aprimorar as MPs, mas não interferir ao ponto de decidir quem fica aonde e a que órgão deve pertencer. Isso cabe ao chefe do Poder Executivo legitimamente eleito. Eu não vi o Congresso se mexer quando o presidente anterior criou 30 ministérios. Ninguém falou nada”.

Serra ponderou que o Coaf foi subordinado ao Ministério da Fazenda desde a sua criação, há 20 anos, como vários países do mundo desenvolvido. Ele acrescentou que o Congresso demorou dois anos para criar o Coaf, justamente porque tomou todas as cautelas necessárias à sua qualidade institucional. “Não estamos praticando nenhuma interferência. Ninguém está interferindo na fixação de taxa de juros nem nos marcos institucionais. Estamos deliberando sobre uma Medida Provisória. É o nosso papel. Quando o governo envia uma Medida Provisória que mexe com as instituições nós temos o dever de deliberar a esse respeito”, enfatizou.

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