O modelo que inexiste

Folha de S.Paulo
13 de dezembro de 1988

Causou alvoroço, embora tardio, o anúncio de que o Confaz – organismo que reúne os secretários da Fazenda estaduais – estava e está prestes a fixar possibilidade de tributar as exportações de um amplo conjunto de produtos semimanufaturados, hoje isentos de impostos à circulação de mercadorias. A intenção dos secretários seria estabelecer esse princípio e aplicar, caso a caso, uma determinada alíquota (taxa) do ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços).

Essa idéia, a meu ver, é equivocada, porque é inconstitucional e porque prejudicaria seriamente o volume de exportações do Brasil, o nível de produção e de emprego.

É preciso esclarecer que a iniciativa dos secretários, ao contrário de que sugeriram alguns empresários (não todos, por sorte) mais afobados, não se deve as características do ICMS, que é um imposto novo mas parecido com o atual ICM. De fato, equivale a um ICM “engordado” pelos impostos únicos (minerais, eletricidade e combustíveis) mais os impostos sobre comunicações e transportes (daí a introdução do termo “serviços”). Além disso, a aliquota interna, superior do ICMS é mais ou menos livre para cada Estado, ao contrário da alíquota do ICM, que é fixa.

Por que a posição dos secretários é inconstitucional? A nova Constituição, nas suas disposições transitórias (parágrafo 8º do art. 34) diz que se em 60 dias não foi editada a lei complementar necessária à instituição do ICMS, o Confaz fixará norma para regular provisoriamente à matéria. Isso foi necessário, e eu fui um dos responsáveis pelo parágrafo indicado, para que o novo sistema pudesse entrar logo em vigor. Mas a lei complementar em questão é a mencionada no inciso 12 do artigo 155 das Disposições Permanentes e não a que é citada na letra (a) do inciso 10 do mesmo artigo, que trata das operações de exportação. Não há espaço aqui para demonstrar aqui essa tese, mas os interessados poderão confirmá-la com facilidade mediante uma breve análise dos dispositivos citados.

Abstraindo esse argumento, ou seja, mesmo que a posição dos secretários não fosse inconstitucional, seria inconveniente a tributação dos semimanufaturados de exportação pelo ICMS. Os Estados precisam de mais receita? É óbvio que sim, mas “não vale tudo” para atingir esse objetivo, especialmente quando a medida representaria, ao fim e ao cabo, um tiro no próprio pé dos Estados, face ao prejuízo à produção e ao emprego, sem falar do balanço de pagamentos.

Alguns argumentam que seria bom tributar a fim de, em certas circunstâncias, reter um determinado produto para o mercado interno. Esquecem, no entanto, que para isso existe o imposto às exportações, bastante flexível, que cumpre exatamente a função conjuntural pretendida.

Outros, por certo, vislumbram no Confaz uma oportunidade para coibir um suposto “modelo exportador”, que desgraçaria nossa economia. Nada mais errôneo. O coeficiente de exportações do Brasil (exportações como proporção do PIB) é baixíssimo: 9% em l987/88. De fato, nossa economia exporta pouco e é das mais fechadas do mundo. O problema é que também importa pouco (5% do PIB) e, por isso, estamos gerando superávit comerciais idesejavelmente gigantescos (17 bilhões de dólares em l988). A solução não é exportar menos mas importar algo mais, de forma ordenada e criteriosa. Esse é o caminho melhor, mais eficiente e seguro, para favorecer o desenvolvimento e tornar nossa economia menos vulnerável e dependente, exatamente o contrário do que pensam os crentes no modelo exportador.

José Serra