Sombra e água fresca

Folha de S. Paulo
15 de setembro de 1997

Jogar, certamente, não é pecado. Nos tempos bíblicos não havia loterias, mas duvido que as sociedades, àquela época, não tivessem produzido suas formas de arriscar dinheiro ou mercadorias em jogos de azar. No entanto, os Dez Mandamentos, que proibiram até cobiçar a mulher do próximo, não tocaram no assunto, que tampouco foi incluído nos Sete Pecados Capitais.
Os costumes consagraram o hábito do jogo, aliás, comum até nas quermesses paroquiais que arrecadam dinheiro para fins mais nobres. E jogo é jogo: do palitinho à roleta, passando pelo bicho, a loteria, as corridas de cavalos, o bingo e sorteios de prêmios pela TV.

Isto posto, vamos ao tema. Sou contra o projeto de lei que estabelece a permissão para abertura de cassinos no Brasil. Tal projeto, em trâmite no Congresso, permite, provisoriamente, a criação de um cassino por Estado, ou seja, 27 para o país até que a lei seja regulamentada. É evidente que a totalidade dos Estados procurará construir o seu.

A proliferação de cassinos – independentemente das intenções – tenderá a abrigar redes de tráfico de drogas, prostituição, lavagem (ou esquentamento) de dinheiro e atividades do gênero, incluindo o recrutamento de recursos humanos para o métier. Uma espécie de escolinha de futebol para treinar e descobrir valores para os times profissionais citados.

Além disso, mesmo em centros internacionais de jogo de azar, o impacto fiscal dos cassinos é moderado: em Monte Carlo, que o leitor ouviu falar em virtude da Grace Kelly e suas filhas, somente 4 por cento das receitas provém do jogo.

De mais a mais, a rede de cassinos exigirá um aumento dos gastos públicos com fiscalização, policiamento, etc., e, ao contrário do que se argumenta, não criará empregos líquidos no país nem trará divisas em montante não desprezível.

Vejam só: as pessoas que passarem a jogar perderão dinheiro antes utilizado para consumo ou poupança. Se cortarem gastos de consumo, haverá menos demanda e emprego no setor correspondente. Se comerem a poupança haverá menos financiamento para habitação ou investimentos em geral, cujos efeitos positivos sobre o emprego e o crescimento econômico todos conhecem.

Quanto às divisas, os defensores dos cassinos argumentam que brasileiros que hoje jogam no exterior ficarão por aqui mesmo. Bobagem. O preço das passagens aéreas internacionais, é baixíssimo; e jogar lá fora, além dos prazeres do turismo externo, evita o risco dos controles do imposto de renda.

Para arrematar, lembremos, estamos imersos na realidade política brasileira. A lei dos cassinos é ordinária. Será questão de honra para deputados e senadores ampliarem o número para seus Estados, com vistas a atender este ou aquele município. Diante de qualquer votação importante, alguém duvida que os líderes de bancadas e o Executivo deixarão de obter votos a favor em troca de um cassinozinho aqui ou ali?

O equívoco dos cassinos está associado à mentalidade desta era de consumo supérfluo exaltado: aprenda inglês dormindo, emagreça comendo, endureça a barriga fazendo ginástica deitado. Ou seja, crie empregos e bem estar para todos abrindo cassinos do Oiapoque ao Chuí.

José Serra