ZPEs E TEIMOSIA

Folha de S.Paulo
28 de junho de 1988

Com exceção de uma notícia publicada pela Folha, passou quase desapercebida uma decisão tomada na semana passada por ampla maioria da Constituinte: foi rejeitada a inclusão, nas Disposições Transitórias, de um dispositivo que estabelecia a criação de Zona de Processamento de Exportações no Brasil, seis meses depois de promulgada a Nova Constituição, mediante um projeto de lei a ser examinado pelo Congresso.

Ao mesmo tempo, por incrível que pareça, noticia-se que o governo estaria acelerando a preparação do decreto-lei criando as ZPEs. Se o fizer, estará atropelando não apenas o Congresso, mas a própria Constituição atual, além de amplos setores da sociedade que já se manifestaram sobre o assunto.

Por que desrespeitaria a Constituição vigente? Porque a implantação das ZPEs constitui medida de política industrial (obsoleta e inconveniente), sem qualquer espécie de urgência que justificasse um decreto-lei.

Este instrumento, segundo a atual Constituição, permite ao Poder Executivo editar uma lei com vigência imediata, ad referendum do Congresso, que dispõe de cerca de 40 dias para apreciar a medida, acatando-a ou rejeitando-a, sem poder modificá-la. Mais ainda se não apreciar nesse período, o decreto-lei fica aprovado por decurso de prazo. Trata-se, portanto, de um instrumento bastante autoritário, que foi usado a esmo antes e durante a Nova República. Mas, mesmo assim, a Constituição vigente estabelece, para a medida implantada por decreto-lei, o requisito da urgência que, evidentemente não se aplica no caso das ZPEs.

É importante ter presente que não apenas a Constituinte rejeitou as ZPEs. Idêntica reação tiveram empresários da indústria (não apenas da Fiesp mas também da CNI) e da exportação, economistas de orientações as mais diferentes (de Simonsen, a Ignácio Rangel e Conceição Tavares) e de políticos da própria região Nordeste, que, segundo o governo, seria a grande beneficiária das ZPEs.

Seria? Não. Está demonstrado por insuspeitas análises da experiência internacional e pela boa análise econômica que essas zonas livres não são um bom instrumento para diminuir desigualdades regionais. Como também não são eficazes para trazer tecnologica moderna, gerar empregos ou melhorar substancialmente o balanço de pagamentos.

Poderiam as ZPEs serem consideradas apenas inócuas? Tampouco. De fato, seriam nocivas, pelo aumento de oportunidades de contrabando, devido ao possível efeito negativo no balanço de pagamentos e ao prejuízo que trariam não só para as exportações industriais já feitas, mas para o setor industrial instalado no país com tanto sacrifício.

As ZPEs constituem, na verdade, um instrumento obsoleto de política industrial, fora de tempo e também de lugar, pois não cabem em economias continentais (como a nossa) e onde não há cambio livre. E, tanto quanto, são o resultado da falta de imaginação e de capacidade do governo para implementar uma política industrial, abrangente para o Brasil, um programa de desenvolvimento real para o Nordeste e efetivo para a sua população sofrida. Neste aspecto não foge do padrão das últimas décadas: clientelismos, troca dqa favores e políticas cujos resultados esquecem o povo nordestino, reproduzem uma estrutura econômica desequilibrada e engordam oligarquias.

José Serra