São Paulo, 28 de novembro de 2016

É um grande prazer e uma honra para mim o convite para participar do “UNICA Forum” 2016.

Agradeço a você, Elizabeth, e, por seu intermédio, aos demais organizadores deste evento, pela oportunidade de realizar esta conferência de encerramento e atualizá-los sobre a estratégia e as ações do Ministério de Relações Exteriores em prol do desenvolvimento da bioenergia, do etanol e do setor sucroalcooleiro brasileiro. Temos algumas importantes ações recentes que, creio eu, merecem ser comentadas.

O setor sucroalcooleiro tem suas origens em nossa história colonial, mas se tornou, com o passar dos anos, moderno, competitivo e dinâmico, fornecendo alimento, combustível limpo e energia elétrica de forma sustentável e eficiente. É também um poderoso gerador de empregos, renda e divisas para nosso País.

O Itamaraty está, há muitos anos, na linha de frente da promoção desse importante setor, tanto ao promover a expansão internacional da produção e do consumo de biocombustíveis, quanto ao abrir mercados para o açúcar e o etanol brasileiros.

Esses sempre foram, e continuarão sendo, importantes objetivos da nossa atuação externa. O que nos cumpre é buscar sempre atualizar e modernizar os meios e os métodos, almejando resultados sempre melhores, em consonância com a evolução do contexto mundial.

Senhoras e Senhores,

Quero começar falando das nossas ações para assegurar a abertura de mercados para o açúcar brasileiro.
Primeiramente, temos que compreender que, em matéria de acesso a mercados, há ao menos duas questões fundamentais para a conformação de posições nacionais, que moldam o tabuleiro das negociações: o primeiro é o grau de competitividade dos produtores envolvidos. O segundo, o nível de proteção tarifária ou não tarifária.

Graças ao trabalho de todos vocês, o setor sucroalcooleiro do Brasil é o mais competitivo do mundo. Essa mesma competitividade traz, contudo, desafios: os produtos desse setor estão entre os mais protegidos do mundo.

Trata-se de proteção que não é apenas tarifária, já que tais produtos também estão sujeitos a medidas não tarifárias e a barreiras de toda ordem, impostas tanto pelos países desenvolvidos quanto em desenvolvimento. Além disso, tais produtos são objeto de medidas que distorcem as condições de mercado, como subsídios e apoio doméstico discriminatório.

Nesse cenário, uma das atuações centrais do Itamaraty, sempre em estreita coordenação com os demais órgãos do governo e com o setor privado, tem sido a de contestar barreiras que julgamos desleais ao nosso produto e a de discutir práticas de outros países que, entendemos, distorcem o comércio.
O Ministério das Relações Exteriores continuará a trabalhar em conjunto com a UNICA para a superação das barreiras às exportações brasileiras de açúcar, inclusive, se necessário, por meio da abertura de contenciosos na OMC.

Saliento, a propósito, nosso êxito na controvérsia contra a União Europeia acerca de subsídios à exportação de açúcar. Essa iniciativa levou à reformulação do Regime Açucareiro europeu, permitindo melhoras concretas nas condições de acesso do açúcar brasileiro ao mercado internacional.
Recentemente, iniciamos, a pedido da UNICA, um contencioso contra a Tailândia, em que estão sendo questionadas várias medidas de apoio ao setor açucareiro, as quais geraram distorções importantes no mercado internacional. Mais uma vez estamos conduzindo o tema em estreita coordenação com a UNICA.

O governo brasileiro tem também acompanhado atentamente a recém-instaurada investigação chinesa de salvaguardas sobre o açúcar, que afeta principalmente o Brasil, maior exportador do produto para a China. Temos realizado gestões junto ao governo chinês, com o intuito de garantir os interesses do exportador brasileiro à luz das regras multilaterais sobre o tema.

Senhores representantes da UNICA,

Passemos agora à vertente das negociações comerciais, que também vêm sendo levadas a cabo no contexto de um diálogo permanente com o setor privado.

O governo do presidente Michel Temer tem como uma de suas prioridades a abertura de mercados e a expansão das relações comerciais do Brasil com o mundo. O setor sucroalcooleiro é de grande relevância não só para a economia brasileira, mas, também, para nosso comércio exterior.

Estamos comprometidos com a melhora do acesso de nossas exportações de açúcar e etanol a mercados prioritários. Trata-se, por exemplo, de setor fundamental nas negociações do acordo de livre comércio entre o MERCOSUL e a União Europeia.

No meio tempo, concluímos recentemente negociações com a União Europeia para compensação ao Brasil em função da adesão da Croácia ao bloco.

O resultado, embora inferior ao pleiteado, é ainda assim razoavelmente satisfatório, ao aumentar nossa cota de exportação com tarifa reduzida e abrir, por conseguinte, a possibilidade de ganhos reais de mercado para o açúcar brasileiro.

O caso do MERCOSUL também é amplamente conhecido. Até o momento, o açúcar não está incluído no regime de livre comércio entre os países do bloco. A elevada competitividade brasileira provoca, novamente, resistência nos demais Estados Partes.

Quando da criação do bloco, havia a alegação de que as medidas do Proálcool constituíam subsídio cruzado ao açúcar, o que justificou a recusa de alguns membros em aceitar a liberalização do comércio intrazona do produto.

Passados vinte e cinco anos, não faz sentido que o açúcar permaneça excluído da União Aduaneira. Além da questão do acesso ao mercado regional, o mais importante e danoso para nós é que essa exclusão prejudica a obtenção de concessões para o setor em negociações do MERCOSUL com terceiras partes, incluindo aquelas realizadas com a União Europeia. Isso fragiliza nossa posição negociadora.

Vamos continuar trabalhando intensamente para reabrir as discussões e já demos indicações nesse sentido a nossos sócios. Mas temos de ter consciência de que se trata de um tema complexo. A perspectiva de expansão do setor de biocombustíveis nos países vizinhos, com a elevação de mandatos de mistura de etanol à gasolina, e um reforço da cooperação regional nessa matéria, poderá talvez conformar um ambiente mais propício a entendimentos.

Na Organização Mundial do Comércio, o açúcar é um dos produtos cujas políticas de apoio e proteção continuam a ser objeto de maior escrutínio pelo Comitê de Agricultura. O governo brasileiro está atento às políticas dos demais Estados membros que podem ter impacto na competitividade do açúcar brasileiro.

Questionamos recentemente os subsídios concedidos pela Índia e pela Tailândia, além do sistema de bandas de preços do Peru. Para a próxima Conferência Ministerial da OMC, o governo brasileiro está empenhado em obter resultados tangíveis que poderão beneficiar as exportações brasileiras de açúcar.

O açúcar representa, aliás, parte da agenda da OMC na qual os avanços foram mais modestos: a da agricultura. O governo brasileiro mantém sua tradicional posição de buscar tratamento justo ao comércio de bens agrícolas, ainda afetado por diversas barreiras injustificadas.
Além de defender a abertura de mercados para o açúcar em tantas frentes, o Itamaraty tem atuado para o melhor aproveitamento desses mercados, por meio de ações de promoção comercial.

A UNICA tem sido nossa parceira, por meio do programa setorial estabelecido com a APEX, que busca, desde 2007, promover a imagem do etanol brasileiro de cana-de-açúcar como energia limpa e renovável no exterior, junto a governos, meios de comunicação, ONGs, consumidores, empresas de “trading”, e potenciais investidores e importadores.

No período 2013-2016, no âmbito desse programa, foram executadas 43 ações de posicionamento de imagem e de geração de negócios, em sua maioria, missões prospectivas e comerciais. Os montantes exportados pelas empresas apoiadas pelo projeto totalizaram US$ 3,09 bilhões no triênio.
No ano passado, o Brasil, com 27,7% do mercado mundial, figurou como o 2º maior exportador de etanol, depois dos Estados Unidos.

Caras amigas, caros amigos,

Quero agora discorrer sobre um tema fundamental, na esteira da conclusão, há pouco mais de uma semana, em Marraqueche, da 22ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, a COP-22.

Trata-se da contribuição importantíssima do setor sucroalcooleiro, do etanol e da bioenergia para a transição rumo a uma economia de baixo carbono.
E tal contribuição refere-se não apenas ao Brasil, onde o aporte dos derivados de cana à nossa matriz energética supera até mesmo o das usinas hidrelétricas. O etanol, a bioenergia e outros biocombustíveis derivados da biomassa podem nos conduzir a uma nova etapa da própria economia mundial.

É por isso que o Ministério das Relações Exteriores, com a colaboração e apoio de outros órgãos do governo brasileiro, incluindo o Ministério do Meio Ambiente, o Ministério de Minas e Energia, e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, concebeu, planejou, negociou e executou, com grande êxito, no último dia 16, na COP-22, o lançamento da “Plataforma para o Biofuturo”.

Trata-se de iniciativa internacional, liderada pelo Brasil, para a cooperação, diálogo e troca de ideias e experiências para a promoção dos biocombustíveis avançados e da bioeconomia.

Essa iniciativa brasileira representa o reforço e a atualização de uma das prioridades de nossa política externa: criar um mercado internacional de “commodities” de biocombustíveis, como forma de projetar mundialmente nossa política nacional, e criar oportunidades de exportação não apenas de etanol, mas, também, de produtos e serviços brasileiros relacionados a essa cadeia produtiva.

Não nos interessa ter o monopólio de um produto que ninguém compra; pelo contrário, queremos estar entre os líderes de um amplo mercado global de biocombustíveis.

Essa atuação diplomática tem colecionado êxitos destacados, dentre os quais o reconhecimento formal pelos Estados Unidos, em 2010, do etanol de cana-de-açúcar brasileiro como “biocombustível avançado”; a eliminação da tarifa americana para importação de etanol; a influência positiva sobre os mandatos de mistura e regulamentação europeia para biocombustíveis derivados de culturas alimentícias até 2020; e a assinatura e implementação de acordos, memorandos e projetos de cooperação em biocombustíveis com dezenas de países na África, Ásia, América Latina e Caribe.

Não obstante, obstáculos econômicos e políticos têm dificultado a adoção mais ampla de biocombustíveis em boa parte do mundo.
O protecionismo agrícola e a construção de uma falsa dicotomia entre produção de alimentos e produção de combustíveis impediram, ao longo da última década, a constituição de um mercado internacional para o etanol e sua transformação em “commodity” global, a despeito dos esforços brasileiros.

A constituição da Plataforma para o Biofuturo surge, assim, como resposta a esses obstáculos e como forma de preencher uma lacuna nas discussões globais sobre soluções para a mudança do clima no setor de transportes, criando oportunidades para nosso país.

O Itamaraty logrou mobilizar o interesse de outros 19 países para esse empreendimento, incluindo nações centrais para a expansão dos biocombustíveis e da tecnologia, como Estados Unidos, China, Índia, França, Reino Unido e Dinamarca.

A estratégia que levou ao lançamento exitoso da Plataforma para o Biofuturo tem dois grandes componentes: o primeiro é ressaltar a contribuição que os biocombustíveis e a bioeconomia podem dar para que os países alcancem suas metas de redução de emissões de carbono, especialmente no setor de transportes.

Movido basicamente a combustíveis fósseis líquidos, o setor de transportes é responsável por cerca de um quarto das emissões globais de dióxido de carbono (CO2) relacionadas à energia. O etanol da cana de açúcar gera uma “pegada de carbono” que é mais de 70% inferior à da gasolina. Uma política de substituição da gasolina por etanol, mesmo que gradativa e parcial, gera resultados imediatos na redução de emissão de gases de efeito estufa. A mudança é relativamente simples para qualquer país do mundo, com o uso de motores, veículos, infraestrutura e redes de distribuição já existentes.

O Brasil tem feito sua parte, com uma política ambiciosa de misturas obrigatórias de etanol e biodiesel, e a disseminação da tecnologia flex-fuel. Essas políticas permitiram que, desde a introdução dos veículos flex, o País deixasse de lançar na atmosfera 352 milhões de toneladas de CO2, marca superior à soma das emissões anuais de cinco países sul-americanos: Argentina, Peru, Equador, Uruguai e Paraguai.

A introdução dos biocombustíveis pode reduzir consideravelmente o perfil de emissões do setor de transportes em qualquer país e, portanto, representar uma contribuição poderosa para suas metas nacionais de clima, mesmo que tais países não contem com produção doméstica de etanol.
Para que essa possibilidade seja viável, as principais condições são: 1º) a existência de oferta segura e sustentável de biocombustíveis, em escala suficiente e por produtores geograficamente diversificados; e 2º) um mercado global acessível e relativamente livre. Não por acaso, esses têm sido justamente os principais objetivos da atuação externa do Brasil no campo dos biocombustíveis.

O segundo componente da estratégia de constituição da Plataforma para o Biofuturo foi a valorização dos recentes avanços tecnológicos, como o etanol celulósico de segunda geração, e a abertura do enfoque, de modo a incorporar novas formas de biocombustíveis de baixo carbono.

Esses avanços podem tornar a produção de biocombustíveis em larga escala uma atividade viável para diversos países que, de outra forma, não reuniriam as condições adequadas para repetir a experiência brasileira.

Permitam-me destacar, em especial, o etanol celulósico, ou de segunda geração (2G), que, após longo período de gestação, pesquisa e desenvolvimento, alcançou, em 2015, o estágio de produção em escala comercial no Brasil, nos Estados Unidos e na Itália.

O fato de o etanol celulósico poder ser produzido a partir de palha e de outros resíduos agrícolas e urbanos não comestíveis desconstrói as infundadas preocupações relacionadas à competição com a produção de alimentos, além de permitir a abertura de oportunidades de produção e exportação em muitos países antes avessos aos biocombustíveis.

Dois exemplos notáveis são a China e a Índia, que até pouco tempo demonstravam certa resistência a programas de expansão do consumo doméstico de biocombustíveis e hoje são nossos parceiros na Plataforma para o Biofuturo.

Nessa nascente corrida tecnológico-industrial dos biocombustíveis de segunda geração, o Brasil larga entre os líderes mundiais, com potencial para se tornar um dos maiores e mais competitivos produtores, graças às nossas enormes vantagens comparativas.

O benefício para o clima é impressionante: estudos indicam que o etanol 2G brasileiro pode reduzir em até 90% as emissões de CO2 em comparação com a gasolina.

A tecnologia celulósica é essencial para o estabelecimento de uma nova bioeconomia. Há, contudo, o desafio de alcançar escala de produção.

Vivemos um momento-chave, já que, se, antes, as atividades se concentravam em laboratórios e usinas-modelo, agora, os investimentos necessários são significativos e os riscos, mais elevados. Será preciso aperfeiçoar os processos de produção em todas as etapas da cadeia e proporcionar um ambiente de negócios favorável ao setor.

Por outro lado, com o renovado compromisso contra a mudança climática no plano mundial, encontramos ambiente favorável para a superação de eventuais dificuldades.

Não há conflito de interesses ou concorrência entre a primeira e a segunda geração de biocombustíveis, ao menos não no Brasil. O nosso etanol de cana-de-açúcar de primeira geração é inequivocamente sustentável, não compete com alimentos, e, como dissemos, é altamente benéfico em termos climáticos e ambientais.

Em resumo, o Brasil tem tudo para ser o mais competitivo produtor mundial de biocombustíveis, tanto de primeira quanto de segunda geração. O eventual desenvolvimento de uma avançada bioeconomia global, que se fortalece com os biocombustíveis de segunda geração, seria, portanto, de grande benefício para toda nossa economia.

Caros participantes deste Fórum, senhoras e senhores,

Quero reiterar o compromisso do Itamaraty de continuar apoiando, ao lado de outras áreas do governo e do setor privado, o esforço de disseminação global da bioeconomia. A Plataforma para o Biofuturo é um primeiro passo nessa direção.

Estou convicto de que o avanço da bioeconomia no Brasil e no mundo contribuirá para desenvolver ainda mais os setores agrícola, industrial e biotecnológico de nosso País. Convido-os a trabalharmos juntos na realização dessa promessa, trazendo os benefícios do biofuturo para o presente.

Muito obrigado.