Lance! , 16/5/2011.

“Ele falhou feio”. “Falha não, foi frango mesmo”. “Não está bem nessa temporada o Júlio Cesar”.

Ouvindo os comentários na televisão, penso que o pobre do goleiro – não o do Corinthians, mas qualquer goleiro – é o jogador mais sujeito a avaliações injustas.

Durante uma partida, raramente um jogador chega a um minuto, se tanto, com a bola nos pés – mesmo o mais “fominha” . Nos seus breves contatos com a pelota, o jogador de linha comete todo tipo de falhas – ao matar a bola, fazer um passe, tentar um drible. Às vezes o erro não dá em nada: ou o adversário faz ele mesmo uma bobagem, ou um colega retoma, domina e conserta a “bola quadrada”.

 

Mas os erros do goleiro, como diria o grande poeta Fernando Pessoa, esses sim é que são erros para além de todos os deuses. Inolvidáveis. Se atravessa a área pelo alto e não alcança a bola, é patético. Se, no reflexo, “espirra” a bola para a frente, é incompetente. Se ela escorrega, quica, oscila e lhe foge das mãos… é um vexame. Que pode resultar diretamente no fracasso da sua equipe.

 

Bem, não é só o goleiro que carrega essa cruz. Que dizer do atacante que perde um gol feito, ou do meia que faz um passe errado no meio campo, permitindo um contra-ataque? Ou ainda do zagueiro que, imbatível durante 89 minutos, de súbito vê-se chegando atrasado no lance que decide a partida? Por falar em zagueiros, com toda a categoria do magnífico Domingos da Guia, não fizeram de “domingada” o sinônimo de batatada?

 

Os erros de todos durante o jogo – o furo do centroavante, a falha do meia, o vacilo do zagueiro – estarão, talvez, em todas as matérias e comentários jornalísticos. Mas com o goleiro, não há “talvez”. Seu erro é sempre marcante. Ele vem depois do meio-campista e do zagueiro; ele é – justo o número 1 – o último recurso. Ainda que a vitória ou derrota não tenham sido definidas por seu erro, o placar se altera. É por isso que seus acertos podem até ser cortados dos “melhores momentos” televisivos, mas a falha estará lá.

Júlio Cesar, goleiro do Corinthians, foi fator determinante para as duas derrotas do meu time, o Palmeiras, no Paulista. Rafael tem sido um fator de tranquilidade para o Santos – e uma bênção em momentos difíceis, inclusive na Libertadores. Mas, do jogo de ontem, ficarão as imagens das falhas de um e de outro.

Complicada a sina desse personagem, decantada encarnação de um paradoxo: todos correm o campo todo, ele fica parado. Vê seu time quase sempre pelas costas, e o adversário de frente. Trabalha com as mãos, no esporte dos pés. Tem como atribuição primordial evitar o que o futebol tem de melhor, sua própria razão de ser. E aparecerá sempre em destaque quando for mal-sucedido em sua função.

Foi a vida que escolheu para si. Como dizia Barbosa, goleiro da Copa de 50, que tomou os dois gols dos uruguaios, “a pena máxima no Brasil é de 30 anos, mas eu sou condenado há 50 anos”.