Plano não se financia com corte de gasto, diz Medeiros

Segundo especialista, prefeitos e governadores são nova força política em defesa da renda básica universal e de maior tributação no IR

Por Maria Cristina Fernandes — De São Paulo

Valor Econômico – 10/06/2020

O programa de renda básica universal do governo Jair Bolsonaro ganhou um nome (“Renda Brasil”), antes de ter chances de se materializar. O primeiro sinal de que a equipe econômica resiste a levá-lo à frente foi a proposta de vitaminar a verba publicitária do governo com recursos do Bolsa Família. A manobra, abortada pelo alerta do TCU de que o ex-ministro Guido Mantega foi condenado por muito menos que isso, revelou que se o governo já custa para manter de pé o atual Bolsa Família, não teria como ampliá-lo para se aproximar ao que hoje é o auxílio emergencial.

A ideia, que não é nova, ganhou força pela demonstração de que o auxílio emergencial tem sido um dos pilares da resistência da popularidade do presidente Jair Bolsonaro entre as famílias de baixa renda. Perenizá-lo, ainda que em outras bases, favoreceria a estratégia do presidente de se manter no poder a despeito do crescente cerco jurídico e político.

Estudioso de desigualdade e hoje professor na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, Marcelo Medeiros vê mais chances de o Congresso viabilizar uma proposta de renda básica do que o Executivo, uma vez que os parlamentares, ao contrário do Executivo,aceitariam discutir uma tributação sobre renda e propriedade, único meio de viabilizar o financiamento de um programa do gênero.

A ideia do Executivo de viabilizar um programa do gênero com corte de gastos, diz Medeiros,se mostra inviável ao se depurar a estrutura de despesas do Orçamento. As três maiores são Previdência, saúde e educação. A primeira já foi reformada neste governo, a segunda não tem como ser mexida, especialmente depois da pandemia, e na terceira o que vai acontecer, na verdade, é o aumento do aporte da União no Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica, o Fundeb.

Sobra o funcionalismo, rubrica que tem nos militares, nos policiais militares e no Judiciário suas maiores folhas. Sem condições políticas para enfrentar qualquer uma dessas categorias, resta ao Executivo a administração pública federal, cujas gorduras, calcula Medeiros, não chegariam a render 0,5% do PIB.

“A Alemanha já concluiu que terá que gastar um quarto do seu PIB para evitar recessão e até os Estados Unidos já calculam gastar 10% do PIB, só o Brasil continua cego à ideia de que o único agente capaz de recuperar a economia é o Estado”, diz Medeiros.

No Congresso, ganha corpo a ideia, capitaneada pelo senador José Serra (PSDB-SP), de ressuscitar um antigo projeto de renda básica do ex-senador Eduardo Suplicy.

Medeiros, que atua como consultor dessas discussões, diz que a ideia é evitar a duplicação de benefícios (quem recebe BPC, Bolsa-Família ou Previdência terá que optar) e viabilizar seu financiamento com a redução nas isenções do Imposto de Renda e com uma tributação sobre lucros e dividendos com uma alíquota média de 20%. A ideia é equiparar sua renda tributável às alíquotas vigentes sobre a renda do trabalho.

A discussão invade a reforma tributária, cuja tramitação vem esbarrando nas dificuldades de a indústria e o comércio se acertarem sobre perdas e ganhos. As resistências serão ainda maiores a partir da depressão econômica, não apenas dos setores que já divergiam, mas também da classe média empobrecida pela atual crise ou do mercado, que se valerá da alegação de que a pandemia já foi ao limite na fuga de investidores.

“Mas não há outra saída, o Brasil pós-pandemia tem um encontro marcado com sua estrutura tributária”, diz Medeiros.

O economista vê nos prefeitos e governadores uma nova força política em defesa tanto da renda básica universal quanto de uma maior tributação no Imposto de Renda. Eles teriam sedado conta do quanto o auxilio emergencial ajudou a manter o comércio e a arrecadação dos seus municípios e Estados.

Quebrados pela depressão na economia, prefeitos e governadores também já teriam concluído que a guerra fiscal é um jogo de soma zero e que sua receita só teria a ganhar com a elevação do Imposto de Renda uma vez que metade de sua arrecadação se destina aos fundos de participação de Estados e municípios.

No governo federal, o impasse em torno do financiamento do colchão social pode ressuscitar a ideia, aqui e ali defendida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, de uma contribuição sobre movimentação financeira, uma nova CPMF. A proposta tem sido barrada pelo Congresso e pelo presidente Jair Bolsonaro e enfrentaria ainda mais resistências pela dificuldade de retomada da atividade econômica, mas converge com uma ideia de uma distribuição difusa do sacrifício. “É bem condizente com a percepção do ministro Paulo Guedes, a quem, mais do que um projeto de país, importa manter o poder a qualquer preço”, diz Medeiros.