Pronunciamento na Sessão Plenária da
Câmara dos Deputados que autorizou a
abertura do processo de impeachment
contra o então presidente Fernando Collor,
em 29 de setembro de 1992.

*José Serra, era deputado federal e líder do PSDB na Câmara dos Deputados.

Senhor Presidente, Senhores Deputados:

Damos hoje o último passo para a admissibilidade do processo de impeachment, de destituição do presidente da República.

Têm argumentado o Presidente, seus advogados e parlamentares que se opõem ao impeachment, que o sr. Fernando Collor de Mello está sendo cerceado em seu direito de defesa. Isto não é verdade. O Presidente utilizou-se quatro vezes de cadeia nacional de televisão e rádio, falou quanto quis e o que quis. Nenhum opositor, nenhum daqueles que o acusam, dispôs de tanto tempo para falar a tanta gente. Mas cada vez que o Presidente foi à TV, pior tornou-se o julgamento da opinião pública a seu respeito. Lembro-me da reflexão de Lincoln: pode-se enganar algumas pessoas todo o tempo, ou todas as pessoas por algum tempo, mas não se pode enganar a todos durante todo o tempo.

Alega-se cerceamento da defesa, mas nunca ouvi na tribuna alguém defendendo o Presidente com base numa análise do mérito. E é isso o que importaria. Os representantes do Governo aqui não defendem e não defenderam o sr. Fernando Collor de Mello. Repito o que já disse: não sou advogado mas sei que, nos processos criminais, quando o réu é culpado, a tática usual dos advogados é a de apegar-se a aspectos formais porque não há como entrar no mérito. A atitude dos representantes do governo tem sido a dos advogados criminalistas quando sabem que seu cliente, o réu que defendem, é culpado.

Mais ainda, como alegar que há cerceamento à defesa quando na véspera da votação o advogado do Presidente não compareceu para defendê-lo? E apenas três ou quatro deputados contrários ao impeachment vieram a esta tribuna para defender seu ponto de vista? E, mesmo neste caso, os poucos que falaram se omitiram quanto ao mérito das acusações.

Há também um argumento dos defensores de Collor que é ocultado do público mas que circula intensamente nas conversas, longe dos microfones e dos jornais. Dizem: mas este não é o primeiro governo desonesto da nossa história, por que deve ser punido? É verdade – infelizmente não é o primeiro. Mas deverá, sim, ser o primeiro a ser punido para que outros, todos, o sejam no futuro. Ou nós aprendemos hoje novamente a ser uma Nação digna, ou num dia próximo deixaremos de ser uma Nação.

Incomoda os partidários da continuidade de Collor mas é preciso dizer: o Presidente da República não está sendo derrubado por seus adversários nem por cartórios organizados. Está sendo destituído pela marcha da insensatez que ele próprio deflagrou a partir da posse. São os fatos, a dura realidade dos fatos, e não a astúcia de seus opositores, que o condenam.

A destituição de Collor não ocorre em virtude da abertura externa ou da privatização, nem dos erros clamorosos da reforma administrativa ou do fracasso no combate à inflação. Nem mesmo a recessão e o desemprego são motivos para destituí-lo. Na democracia tudo isso pode dar lugar às críticas, protestos e obstruções no Congresso, mas nunca a cortar o mandato do Presidente. Collor está caindo em virtude de questões éticas, porque perdeu a autoridade moral que o cargo de chefia do Estado e do Governo exige. É simplesmente isso. Obteve vantagens financeiras indevidas de deu cargo, acobertou tráfico de influência, mentiu à população, omitiu-se diante da rede de corrupção e extorsão, faltou ao decoro, perdeu a dignidade que o exercício da presidência exige.

Estamos vivendo uma pré-revolução ética que poderá deter o colapso do amor-próprio e a perda da auto-estima que o Brasil tem sofrido nos últimos anos. Seu impacto junto à comunidade internacional é enorme e é positivo ao país: um Presidente com poderes imensos está sendo destituído por razões morais e sem qualquer abalo às instituições e às regras do jogo democrático. Dá-se, também, um exemplo a nossa juventude, permitindo-lhe herdar um país mais digno, onde os apelos à ética e à solidariedade, essenciais, não mais ressoem utópicos, quando não ridículos.

Se Deus quiser, a acolhida a estes apelos permitirá deter a crise econômica que ameaça tornar nosso futuro a grande vítima do presente. E nos dará fôlego e compreensão para a reforma política necessária, a começar pelo parlamentarismo. Esta situação que vivemos, extremamente penosa para o Brasil, é fruto, reflexo e consequência do sistema presidencialista, que elege um monarca absoluto a cada cinco anos. No parlamentarismo acaba-se com o poder imperial do presidente, acaba-se com a possibilidade de que se repitam processos dolorosos como este e, ao mesmo tempo, fortalece-se o Poder Executivo e seus laços de solidariedade, não de antagonismo, com o Congresso.

Isso tudo começará a ser viabilizado pela votação de hoje nesta Casa. O Parlamento cresce quando há crise e se agiganta quando consegue resolvê-la dentro da Constituição e sem perder a perspectiva do que está a construir. Vivendo num país democrático, próspero e justo, as gerações do futuro, mesmo do futuro mais distante, dirão a respeito da atitude da Câmara no dia de hoje: “Foi o seu instante mais digno, o seu melhor momento”.